TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 79.º Volume \ 2010
91 acórdão n.º 399/10 9.3. Dito isto, vejamos se as normas das duas leis fiscais – as Leis n. os 11/2010 e 12-A/2010 – que intro- duzem alterações ao n.º 1 do artigo 68.º do CIRS, cuja entrada em vigor ocorreu no dia seguinte ao da sua publicação, estão ou não feridas de retroactividade autêntica. A resposta a esta questão afigura-se relativamente simples, uma vez que nenhuma destas normas se pre- tende aplicar a factos tributários que tenham produzido todos os seus efeitos ao abrigo da lei antiga, pelo que não se verifica a retroactividade autêntica. Para uma melhor compreensão do que está em causa nos presentes autos, há que proceder a um breve excurso acerca do imposto sobre o qual incidem as leis em apreço, ou seja, o IRS. Breve excurso sobre o imposto sobre rendimento das pessoas singulares 10. O IRS caracteriza-se, em primeiro lugar, por ser um imposto directo, em que se tributam os rendi- mentos das pessoas singulares. Este imposto assenta em factos tributários de formação sucessiva, sendo que o facto tributário sujeito a imposto só está completo no último dia do período de tributação. O facto tributário que dá origem ao imposto é, pois, complexo. A configuração do elemento temporal do facto tributário é, no IRS, duradoura, pelo que se trata de um imposto periódico. Ou seja, a relação jurídica fonte da obrigação de imposto tem na sua base situações estáveis que se prolongam no tempo. Nos termos do artigo 22.º, n.º 1, do CIRS, “o rendimento colectável em IRS é o que resulta do en- globamento dos rendimentos das várias categorias auferidos em cada ano, depois de feitas as deduções e os abatimentos”. Ou seja, trata-se de um imposto anual, em que não se tributa cada rendimento percebido de per si (embora a retenção na fonte possa, por vezes, obnubilar esta realidade), mas sim o englobamento de todos os rendimentos recebidos num determinado ano. O que significa que só no final do ano de 2010 se pode apurar a taxa do imposto, bem como o escalão no qual o contribuinte se insere. 10.1. Acresce ainda que as normas relativas à caducidade do direito à liquidação e à prescrição apontam igualmente no sentido do carácter anual do imposto. Assim, o artigo 45.º, n.º 4, da Lei Geral Tributária (LGT) estabelece que nos impostos periódicos o prazo de caducidade se conta a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário e o artigo 48.º, n.º 1, do mesmo diploma legal, determina que as dívidas tributárias prescrevem nos impostos periódicos, no prazo de oito anos, contados a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário. Quer dizer, para efeitos de caducidade do direito à liquidação e de prescrição cada facto gerador de rendimento individualmente considerado não é por si só considerado um facto tributário autónomo. 10.2. Tendo em conta que as normas ora em apreciação foram publicadas já no decurso do período de tributação, importa averiguar se sofrem de inconstitucionalidade, não já por violação do princípio da não retroactividade (autêntica) contido no artigo 103.º, n.º 3, da CRP, mas antes por violação de outros princípios, designadamente, do princípio da protecção da confiança. A protecção da confiança e a retroactividade inautêntica 11. Como já mencionámos, o Tribunal Constitucional considerou, designadamente nos Acórdãos n. os 128/09 e 85/10, que a “retroactividade inautêntica” não é proibida pelo artigo 103.º, n.º 3, da CRP. No fundo, o alcance prático desta tese é o de admitir que − nos casos de retroacção limitada ao período fiscal em que a lei entrou em vigor, que seria, como vimos, o caso dos autos − é possível, no que diz respeito aos impostos periódicos, a aprovação de leis no decurso do período de tributação que se destinem a produzir efeitos em relação a todo esse período, ficando, no entanto, tais leis sujeitas ao teste resultante dos princípios do Estado de direito, como seja o teste da protecção da confiança.
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