TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 79.º Volume \ 2010

87 acórdão n.º 399/10 a resposta à questão de constitucionalidade colocada pelo Requerente, implica, num primeiro momento, a delimitação do conceito de retroactividade fiscal constante daquele preceito. Num segundo momento, importará averiguar se as normas, cuja constitucionalidade é posta em causa, são, ou não são, contrárias à proibição da retroactividade fiscal imposta pela Lei Fundamental, pelo que será necessário determinar qual o momento em que se verifica o facto tributário, ou seja, qual o momento em que nasce a obrigação tributária, no caso de um imposto sobre o rendimento das pessoas – IRS – que é o que está em causa nos presentes autos. Num terceiro momento, se as normas em apreciação não estiverem feridas de inconstitucionalidade por violação do artigo 103.º, n.º 3, da CRP, então ainda se deverão submeter aos testes resultantes do princípio do Estado de direito, como seja a protecção da confiança. A consagração constitucional da proibição da retroactividade da lei fiscal 8.1. Contrariamente à generalidade das Constituições europeias, a Constituição da República Portu- guesa proíbe, expressamente, a retroactividade fiscal, no artigo 103.º, n.º 3, o qual estabelece o seguinte: «Ninguém pode ser obrigado a pagar impostos que não hajam sido criados nos termos da Constituição, que tenham natureza retroactiva ou cuja liquidação e cobrança se não façam nos termos da lei.» Alguma doutrina criticou a introdução desta proibição na Lei Fundamental. Casalta Nabais apelida-a mesmo de “novorriquismo constitucional” ( Direito Fiscal , 5.ª edição, Coimbra, 2009, p. 146, nota 33) e Saldanha Sanches considera-a “fruto do ocaso político da referida revisão constitucional” ( Manual de Direito Fiscal , 3.ª edição, Coimbra, 2007, p. 190), prosseguindo o Autor com a afirmação de que não se resolveu a questão essencial que era a de saber se a retroactividade foi consagrada num sentido forte ou fraco, questão essa que continua remetida para a jurisprudência ( Manual de Direito Fiscal , p. 191). Outros Autores, como é o caso de Bacelar Gouveia (“A Irretroactividade da Norma Fiscal na Constituição Portuguesa”, in Ciência e Técnica Fiscal, 1997, pp. 51 e segs.), mostraram-se menos críticos. É certo que o artigo 103.º, n.º 3, da CRP só foi introduzido no texto constitucional na revisão de 1997, mas o princípio da não retroactividade da lei fiscal desfavorável já decorria do princípio da protecção de confiança e da ideia de Estado de direito, nos termos do artigo 2.º da CRP, mesmo antes da sua expressa consagração (cfr. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada , vol. I, Coimbra, 2007, pp. 1092 e segs.). 8.2. Antes da revisão constitucional de 1997, a Comissão Constitucional (cfr. Parecer n.º 25/81, Acórdão n.º 444, Parecer n.º 14/82) e, posteriormente, o Tribunal Constitucional (cfr. Acórdão n.º 11/83 e Acórdãos n.º 66/84 e n.º 141/85) tiveram diversas oportunidades de se ocupar desta questão, tendo deci- dido que, apesar de não se poder retirar da Constituição uma proibição radical de impostos retroactivos , tal deveria considerar-se constitucionalmente vedado quando essa retroactividade fosse «arbitrária e opressiva» e violasse «de forma intolerável a segurança jurídica e a confiança que as pessoas têm obrigação (e também o direito) de depositar na ordem jurídica que as rege». «A retroactividade tributária terá o beneplácito consti- tucional» se a confiança dos destinatários da norma for «materialmente injustificada» ou se ocorrerem «razões de interesse geral que a reclamem e o encargo para o contribuinte não se mostrar desproporcionado» (cfr. Parecer n.º 14/82). Para J. M. Cardoso da Costa «[a] linha demarcadora do âmbito da retroactividade fiscal constitucional- mente admissível passará, desde logo, pela distinção entre situações tributárias “ permanentes” e “periódicas” e “factos” cuja eficácia fiscal se esgota ou se firma “instantaneamente”, para cada um deles de per si ( maxime, pela distinção entre “impostos periódicos” e “impostos de obrigação única”), e passará provavelmente, de- pois, no que concerne àquele primeiro tipo de situações, pela distância temporal que já tiver mediado entre

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