TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 79.º Volume \ 2010
83 acórdão n.º 399/10 38.º Nestes casos, pode bem suceder que uma parte substancial do rendimento – se não mesmo a sua totalidade – tenha sido auferido na primeira metade do ano de 2010. 39.º Com efeito, não resultando o incremento percentual anunciado nem a sua dispersão proporcional de factos materialmente comprováveis, mas antes de decisões de natureza política, os sujeitos passivos serão submetidos a um aumento de carga fiscal que lhes é desvantajosa e que incide sobre rendimentos auferidos antes da entrada em vigor de tal incremento. 40.º A interpretação aqui em apreciação parece conduzir à aplicação retroactiva da lei fiscal. 41.º Pois se a norma agravadora – ainda que de forma proporcional – vai ser aplicada a rendimentos anteriores e se, no momento de cada pagamento, é possível isolar um facto tributário, parece claro que existe aqui a aplicação retroactiva da norma fiscal agravadora ou desvantajosa. 42.º Sempre se poderia afirmar que o facto tributário é de formação sucessiva, atento o princípio da anualidade do imposto. De acordo com esta leitura, os elementos da relação jurídica de imposto só se encontrariam estabilizados, uma vez terminado o ano fiscal. 43.º Mas ainda que assim se entendesse, prescreve a Lei Geral Tributária que, nos casos em que o facto tributário seja de produção sucessiva, a lei nova só se aplica ao “período decorrido após a sua entrada em vigor”. 44.º Parece, contudo, como se deixou dito, ser possível isolar o facto tributário. É aliás esta susceptibilidade de individualização que permite, ao longo do ano, a aplicação parcial da retenção na fonte. 45.º É certo que a retenção na fonte não implica a definitividade da relação jurídica de imposto uma vez que esta só será estabilizada no fim do ano fiscal, designadamente, para apuramento da taxa de imposto concretamente aplicável. 46.º Mas só será concebível a exigibilidade pelo Estado de uma determinada retenção se se puder isolar cada perce- bimento de rendimento como um facto tributário autónomo. 47.º Conclui-se, pois, que existem fundadas dúvidas sobre a constitucionalidade material das normas objecto do pedido, por violação da proibição de retroactividade da lei fiscal agravadora prevista no n.º 3 do artigo 103.º da Constituição e dos princípios constitucionais da legalidade fiscal, constante do n.º 1 do artigo 103.º e da protecção da confiança, ínsito no princípio do Estado de direito, consagrado no artigo 2.º da Constituição.» 3. Por despacho do Presidente do Tribunal, com fundamento em que as questões jurídicas em causa são essencialmente idênticas, foi determinada a incorporação do processo n.º 524/10 nos autos do processo n.º 523/10.
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