TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 79.º Volume \ 2010
66 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Para assegurar esses direitos fundamentais dos trabalhadores não basta que o legislador estabeleça tectos aos horários laborais, mas também que os tectos estabelecidos se situem num nível que per- mitam ao trabalhador o repouso, o lazer e tempos dedicados à vida familiar razoáveis, de acordo com os padrões e ritmo de vida actuais, sendo nestes domínios essenciais os limites máximos das horas diárias e semanais de trabalho. Na verdade, só o repouso e a dedicação à vida familiar nuclear, incluindo a realização das tarefas do- mésticas, por razões biológicas e de organização social, exigem que o trabalhador tenha disponível um significativo espaço de tempo diário. Ora, ao permitir-se que se exija que um trabalhador, durante um período que pode ter uma duração considerável, trabalhe 12 em 24 horas, se não esquecermos os necessários intervalos para tomar as refeições e o tempo dispendido nas deslocações entre a residência e o local de trabalho que nas grandes cidades chega a ultrapassar as duas horas, é de uma flagrante evidência que tal regime ofende o direito ao repouso, ao lazer e à conciliação da actividade profissional com a vida familiar dos trabalhadores, uma vez que lhes “rouba” o tempo minimamente necessário para gozarem essa parte das suas vidas. E a previsão da redução do horário de trabalho normal em períodos posteriores ou o pagamento de uma prestação pecuniária retributiva não é capaz de repor os níveis de descanso definitivamente perdidos, nem a falta de dedicação à vida familiar irreparavelmente ocorrida, funcionando apenas como uma mera compensação para o acréscimo de disponibilidade exigido. As necessidades empresariais são incapazes de justificar minimamente uma restrição tão severa de direitos tão fundamentais como são o direito ao repouso, ao lazer e à conciliação da actividade profissional com a vida familiar dos trabalhadores. Ora se é defensável que o nível de ofensa destes direitos fundamentais resultante da aplicação dos referidos regimes de adaptabilidade admite ainda uma auto-limitação pelos trabalhadores afecta- dos, esse consentimento tem que resultar de um acto pessoal dos titulares desses direitos, não tendo as associações sindicais legitimidade para a sua prática. Daí que não seja admissível que um qualquer instrumento de regulamentação colectiva de traba lho, mesmo uma convenção colectiva, possa fixar, dispensando um acto de aceitação individual dos trabalhadores, um dos referidos regimes de adaptabilidade que contrariam flagrantemente tais direitos fundamentais. Estando as normas destes instrumentos obrigadas a respeitar os parâmetros constitucionais, não pode a lei permitir que eles prevejam um regime que os contrarie. Assim, os artigos 206.º, n.º 1, 208.º, e 209.º, n.º 1, alínea b) , do Código do Trabalho, ao permitirem que um instrumento de regulamentação colectiva de trabalho preveja a possibilidade da entidade emprega- dora impor unilateralmente aos trabalhadores a prática de um horário de trabalho que pode atingir as 12 horas diárias e as 60 horas semanais, durante um período significativo de tempo, violam o disposto no artigo 59.º, n.º 1, alíneas b) e d) , da Constituição, pelo que me pronunciei pela sua inconstitucionalidade. – João Cura Mariano . DECLARAÇÃO DE VOTO Não acompanhei, em três pontos, o Acórdão a que esta declaração se anexa, pelas razões que passo a expor. 1. Quanto à alínea b) do n.º 4 do artigo 140.º do Código do Trabalho: 1.1. Em reafirmação recente de uma orientação bem consolidada, o Tribunal Constitucional, no Acórdão n.º 632/08, voltou a destacar que a garantia de segurança no emprego não se exaure na proibição
Made with FlippingBook
RkJQdWJsaXNoZXIy Mzk2NjU=