TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 79.º Volume \ 2010

65 acórdão n.º 338/10 Conforme tem afirmado o Tribunal Constitucional em sucessivos acórdãos (vide, por todos, o recente Acórdão n.º 632/08, acessível em www.tribconstitucional.pt ) , o direito ao trabalho tem, na Constituição portuguesa, uma face ou dimensão negativa, que é aquela que decorre do direito à não privação arbitrária do emprego que se procurou e obteve, e não pode olvidá-la em nome de um combate pela sua afirmação positiva, ou seja o direito a procurar e obter um emprego. As duas faces são incindíveis e a salvaguarda duma não pode ser obtida à custa do sacrifício da outra. No nosso sistema, o direito ao trabalho não é um direito a ingressar em qualquer relação laboral, se- jam quais forem as suas características, mas o direito a ser trabalhador duma relação laboral dotada de estabilidade, à qual o empregador não pode arbitrariamente pôr termo. Não é possível, pois, perseguir a face positiva do direito ao trabalho através da desprotecção da sua face negativa, pelo que violam flagrantemente o direito constitucional ao trabalho, na sua dimensão da segurança do emprego, as medidas políticas que, visando promover o emprego de determinada categoria de trabalhadores, permitam que os mesmos sejam contratados com um vínculo precário. Não se poderá, pois, dizer que tais medidas tenham a cobertura do direito fundamental ao trabalho enunciado no artigo 58.º da Constituição, devendo ser encaradas como restrições constitucio- nalmente ilícitas, por não terem justificação suficiente, implicando uma violação dos limites aos limites dos direitos que o artigo 18.º da Constituição impõe. Nesta perspectiva, pronunciei-me pela inconstitucionalidade da norma contida no artigo 140.º, n.º 4, alínea b) , do Código do Trabalho. b) A inconstitucionalidade das normas constantes dos artigos 206.º, n.º 1, 208.º, e 209.º, n.º 1, alínea b) , e n.º 3 Depois de no artigo 203.º do Código do Trabalho se fixarem limites máximos para o período nor- mal de trabalho de 8 horas diárias e 40 horas semanais, nos preceitos seguintes criaram-se mecanis- mos extraordinários de organização do tempo de trabalho em que se permite aos empregadores imporem aos trabalhadores horários que ultrapassam significativamente esses limites (até 12 horas diárias e 60 semanais), com a compensação de uma correlativa redução das horas diárias ou sema- nais num outro momento inserido dentro de um determinado período de referência (no regime de banco de horas também se admite a compensação em dinheiro). Estes mecanismos correspondem a um modelo de adaptabilidade do tempo de trabalho às neces- sidades empresariais, em que a contagem do tempo do período normal de trabalho é efectuada em termos médios num determinado período de referência, sendo elevados os tempos de trabalho máximos diários e semanais. Relativamente às normas cuja fiscalização foi peticionada (artigos 205.º, n.º 4, 206.º, 208.º e 209.º) verifica-se que nos artigos 206.º, n.º 1 (adaptabilidade por regulamentação colectiva gru- pal), 208.º (banco de horas) e 209.º, n.º 1, alínea b) (horário concentrado), se admite a fixação destes regimes de adaptabilidade, por instrumento de regulamentação colectiva, sem necessidade de aceitação individual dos trabalhadores ou sem sequer lhes admitir a possibilidade de pedirem dispensa de cumprimento desses horários, com invocação de razões socialmente atendíveis. A determinação do tempo de trabalho é essencial para limitar a subordinação do trabalhador perante a entidade patronal, assegurando a sua liberdade pessoal ao delimitar temporalmente a sua disponibili- dade. É por aí que também passa a distinção entre uma relação de trabalho e uma relação de servidão. Por isso a Constituição impõe ao legislador a fixação, a nível nacional, dos limites da duração do trabalho, designadamente da jornada de trabalho [artigo 59.º, n. os 2, alínea b) , e 1, alínea d) ], con- ferindo simultaneamente aos trabalhadores um direito ao repouso e aos lazeres e à organização do trabalho em condições que permitam a conciliação da actividade profissional com a vida familiar [artigo 59.º, n.º 1, alíneas b) e d) ].

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