TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 79.º Volume \ 2010
51 acórdão n.º 338/10 obrigatoriamente uniformes, sob pena de premiar o fenómeno do “free rider” , ou seja, os trabalhadores que tiram proveito da acção colectiva, sem nela se envolverem e sem suportarem os respectivos encargos». O artigo 497.º permite, todavia, ao trabalhador que não seja filiado em qualquer associação sindical escolher os instrumentos de regulamentação colectiva que lhe serão aplicáveis, podendo inclusivamente esco lher uma convenção colectiva negociada por um sindicato no qual não está filiado. Todavia, devemos começar por relembrar que as convenções colectivas de trabalho são muitas vezes aplicáveis, por força de portarias de extensão, a trabalhadores não filiados nos sindicatos que as celebraram. E ninguém defende a inconstitucionalidade de tais portarias de extensão pelo facto de permitirem a trabalha dores não filiados nos sindicatos terem os mesmos direitos que os trabalhadores filiados em sindicato que tenha celebrado convenção colectiva. O Requerente contesta, ainda assim, a constitucionalidade da solução legal do artigo 497.º do Código do Trabalho, por entender que desincentiva a inscrição sindical, enfraquecendo as associações sindicais, ao permitir que alguém tenha os benefícios da actividade sindical sem estar inscrito num sindicato. Ora, se não há dúvida de que, em geral, “as regras legais podem ter um papel de primordial importância em fomentar ou, ao invés, em desincentivar e enfraquecer a filiação sindical e o movimento sindical no seu todo” (Júlio Gomes, “O Código do Trabalho de 2009 e a promoção da desfiliação sindical”, in Novos Estudos de Direito do Trabalho , Coimbra, Coimbra Editora, 2010, p. 165, nota 6), não é menos certo que o artigo 497.º do Código do Trabalho não promove a inscrição dos trabalhadores nos sindicatos, visto que esta não lhes trará benefício adicional em termos de contratação colectiva. Seria, então, possível ver nesta solução uma desvalorização das associações sindicais a quem compete o direito de contratação colectiva. Deve, todavia, dar-se nota de que a Constituição salvaguarda a liberdade individual de inscrição sindi- cal, desde logo enquanto liberdade negativa. Constituiria obviamente uma violação da Constituição obrigar as pessoas a inscreverem-se num determinado sindicato (artigo 55.º da Constituição). Depois, deve ter-se em consideração o princípio da igualdade, no que respeita às condições gerais de trabalho, que parcialmente aflora no artigo 59.º da Constituição: sem prejuízo das diferenças resultantes dos contratos individuais de trabalho, os trabalhadores de unidades ou sectores de produção semelhantes devem, tendencialmente, estar sujeitos ou beneficiar de condições gerais de trabalho semelhantes. É este o funda- mento das chamadas portarias de extensão e é isto que, em conjugação com a liberdade sindical negativa (a liberdade de não inscrição num sindicato), legitima que, nos termos do artigo 497.º do Código do Traba lho, o trabalhador não inscrito ou filiado possa aderir a uma convenção colectiva ou a uma decisão arbitral aplicável a outros trabalhadores da mesma unidade ou do mesmo sector de produção. Por fim, resta dizer que o próprio Código do Trabalho tem um mecanismo que visa garantir que as associações sindicais se possam salvaguardar face à hipótese de um trabalhador não filiado num determinado sindicato vir a beneficiar de convenção colectiva celebrada por esse sindicato. É o que está previsto no artigo 492.º, n.º 4: “A convenção colectiva pode prever que o trabalhador, para efeito da escolha prevista no artigo 497.º, pague um montante nela estabelecido às associações sindicais envolvidas, a título de comparticipação nos encargos da negociação”. Ora esta cláusula permite que as associações sindicais se salvaguardem em face do aproveitamento da sua actividade por parte de pessoas que não se associam ao sindicato. Na verdade, ela permite tornar a solução da filiação sindical, que automaticamente aplica a convenção colectiva, mais vantajosa do que o pagamento de uma verba específica para beneficiar dessa mesma convenção colectiva. Tanto mais que o pagamento de tal verba é, já por si, uma forma de envolvimento com a associação sindical. Consegue-se, assim, uma concordância prática entre a liberdade individual de inscrição ou não inscrição nos sindicatos conjugada com o princípio da igualdade (que postula iguais condições gerais de trabalho, para trabalhadores em igualdade de situações, dentro das mesmas unidades ou sectores de produção), por um lado, e o direito das associações sindicais a quem compete a contratação colectiva, por outro lado.
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