TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 79.º Volume \ 2010
45 acórdão n.º 338/10 A hipertrofia procedimental do regime do despedimento disciplinar não tem, decerto, contribuído para que deixem de ocorrer despedimentos injustificados (ou para a salvaguarda de trabalhadores inocentes), mas forneceu seguramente pretextos para a inutilização de um bom número de despedimentos com verdadeira justa causa». Depois, é necessário não esquecer que a posição do trabalhador está salvaguardada, ao nível do processo disciplinar, não apenas através da sua audição prévia, ou seja, da resposta à nota de culpa (onde pode juntar os documentos que entender), mas, principalmente, através da necessidade da entidade patronal fundamen- tar a decisão final, devendo entender-se que “é na motivação do despedimento que reside o âmago (nomeadamente constitucional) da tutela efectiva da posição do trabalhador” (Nuno Abranches Pinto, Instituto disciplinar laboral , Coimbra: Coimbra Editora, 2009, p. 148, nota 325). São estes, essencialmente, os meios de audição e defesa (para utilizar a linguagem do artigo 32.º, n.º 10, da Constituição) que a lei prevê no âmbito do processo disciplinar. Não concordamos com o que acaba de ser explanado. Ao contrário, entendemos que a razão assiste ao requerente, porquanto o artigo 356.º, n.º 1, do Código do Trabalho viola as garantias de defesa aplicáveis a qualquer processo sancionatório, à luz do artigo 32.º, n.º 10, da Constituição da República Portuguesa. O artigo 32.º, n.º 10, da Constituição impõe a observância dos direitos de audiência e de defesa do arguido em quaisquer processos sancionatórios. Não existem dúvidas de que o processo disciplinar laboral se apresenta como um dos processos sancionatórios abrangidos pela previsão desta norma fundamental, nos ter- mos da qual “é inconstitucional a aplicação de qualquer tipo de sanção, contra-ordenacional, administrativa, fiscal, laboral, disciplinar ou qualquer outra, sem que o arguido seja previamente ouvido e possa defender- -se das imputações que lhe são feitas” [como assinalam Germano Marques da Silva e Henrique Salinas, na anotação ao artigo 32.º – cfr. Constituição Portuguesa Anotada , Tomo I, 2.ª edição, Jorge Miranda e Rui Medeiros (orgs.), cit., p. 740]. Nos termos do actual artigo 356.º, n.º 1, a instrução do processo disciplinar apresenta-se com um carácter facultativo, não estando a respectiva dispensa por parte do empregador sujeita a fundamentação. Deste modo, a única intervenção do trabalhador que apresenta um carácter legal obri gatório é a resposta à nota de culpa. Esta resposta consubstancia o exercício do direito de audiência previsto no n.º 10 do artigo 32.º mas já não consome o direito de defesa. Verifica-se assim a possibilidade de existirem processos sancionatórios que, ao arrepio do referido preceito constitucional, não asseguram os direitos de defesa dos arguidos. A Constituição não distingue a que processos que culminam numa sanção é aplicável ou não o aludido normativo, nomeadamente se é só aplicável aos processos levantados por entidades públicas se também os levantados por entidades privadas. Não distinguindo a Constituição, não o pode fazer o legislador ordinário. E o certo é que estamos em sede de imputação de um facto censurável a um trabalhador, e que, face a esse comportamento culposo é o próprio legislador, atenta a relevância do instituto da “justa causa” no despedimento (artigo 53.º da Constituição) que cria um procedimento com vista à criação de uma sanção. Com efeito, estando em causa normas em matéria de “disciplina interna” de uma empresa, e, sendo inquestionável a natureza sancionatória da consequência a aplicar ao comportamento do trabalhador, não se vê como não concluir pela relevância do procedimento sancionatório, para os efeitos do disposto no artigo 32.º, n.º 10, da Constituição da República. E assim sendo, é inelutável o surgimento dos direitos de audiência e defesa como regra inerente à ordem jurídica de um Estado de direito (Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada , cit., p. 526). E não é, seguramente, o facto de o trabalhador poder impugnar o despedimento, relegando para a fase jurisdicional a apresentação das suas provas, que minora a consequência de na resposta à nota de culpa não poder, de imediato, suscitar a audição de testemunhas. Aliás, a preterição eventual dos direitos de defesa do trabalhador para o momento jurisdicional pode até colocar definitivamente em causa o efeito útil de tais
Made with FlippingBook
RkJQdWJsaXNoZXIy Mzk2NjU=