TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 79.º Volume \ 2010

42 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL É constitucionalmente indiscutível que um trabalhador individual pode ficar vinculado por um instru- mento colectivo de trabalho, fundado numa autonomia colectiva (artigo 56.º, n.º 3, da Constituição), sem necessidade da sua aceitação específica de tal instrumento. A questão está no facto de tais instrumentos de regulamentação colectiva poderem colocar concreta- mente em causa direitos individuais dos trabalhadores. Em abstracto, não há dúvida de que um instrumento de regulamentação colectiva que preveja uma forma variável de organização do tempo de trabalho diminui os períodos de descanso diários e semanais do trabalhador e, nessa medida, afecta o seu direito ao repouso [artigos 59.º, alínea d), e 17.º da Constituição]. Dado que existem ciclos biológicos no que respeita ao cansaço físico e intelectual, a concentração de trabalho num determinado período de tempo não é aritmeticamente compensada, em termos de repouso, através de uma correlativa redução de tempo num momento posterior mais ou menos distante. O direito ao repouso tem, portanto, de se relacionar com os ciclos naturais de resistência física e intelectual. E, nessa medida, todas as formas de flexibilização do período normal de trabalho representam uma restrição do direito ao repouso. É também certo que um instrumento de regulamentação colectiva que preveja uma forma variável de organização do tempo de trabalho dificulta por regra “a conciliação da actividade profissional com a vida familiar” [artigos 59.º, alínea d), da Constituição]. Ora o cumprimento mínimo do direito à “organização do trabalho em condições socialmente dignificantes de modo a facultar a realização pessoal e a permitir a conciliação da actividade profissional com a vida familiar” pode considerar-se, ainda, uma exigência do di- reito ao livre desenvolvimento da personalidade (artigo 26.º) e do direito à família (artigo 36.º) sendo, por isso, um direito de natureza análoga aos direitos liberdades e garantias (artigo 17.º todos da Constituição). O acréscimo dos tempos de trabalho em determinados períodos torna, porém, mais exíguo o encontro familiar (em especial no âmbito da chamada família nuclear) e essa perda não é geralmente compensada pela redução posterior de tempo de trabalho, uma vez que os outros elementos da família não terão certamente as mesmas variações (isto é, acréscimos e reduções) nos seus horários laborais e escolares. Deve, no entanto, considerar-se que, se uma convenção colectiva (eventualmente objecto de uma por- taria de extensão) opta por tal solução é, certamente por razões que reconhece como sendo do interesse global dos trabalhadores. Há, com efeito, uma renúncia colectiva que a própria lei contém dentro de limites de proporcionalidade (ao estabelecer máximos) e que visa a realização de interesses que se consideram, num determinado momento devidamente delimitado, concretamente prevalecentes sobre o repouso e a vida familiar. Esses interesses poderão passar, nomeadamente, pela viabilidade económica da empresa e pela consequente manutenção dos postos e das condições de trabalho dos trabalhadores. Coloca-se, contudo, ainda o problema final que é o de poder haver trabalhadores que são mais afectados pelo regime instituído pelos IRCT’s, podendo estes pôr em risco os seus direitos de personalidade (em espe- cial os direitos à integridade física e moral, à saúde, e os direitos à parentalidade). O Código do Trabalho prevê expressamente que a existência de filhos menores a cargo (parentalidade) implique a “dispensa de prestação de trabalho em regime de adaptabilidade” [artigo 35.º, n.º 1, alínea q) , do Código do Trabalho). Ora parece evidente que, à luz dos direitos e valores constitucionais [artigos 36.º, 59.º, n.º 1, alínea b) , 67.º e 68.º, todos da Constituição da República Portuguesa], o conceito de “adaptabilidade” tem aqui de valer em sentido amplo de modo a abranger outras formas de organização do tempo de trabalho impostas por regulamentação colectiva de trabalho, como sejam o “banco de horas” (artigo 208.º) ou o “horário con- centrado” (artigo 209.º do Código do Trabalho), estabelecidos por instrumento de regulamentação colectiva de trabalho. Deste modo, a mesma dispensa de parentalidade, prevista no artigo 35.º, n.º 1, alínea q) , do Código do Trabalho, terá de valer para o “horário concentrado” e para o “banco de horas” (neste último caso até por maioria de razão dada a amplitude dos limites máximos de horas legalmente estabelecidos). Estamos certamente perante um exemplo inequívoco de um regime legal em conformidade com os direitos e princípios constitucionais.

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