TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 79.º Volume \ 2010
401 acórdão n.º 389/10 Se o julgador, no âmbito da reclamação, tiver de desenvolver uma actividade cognitiva e argumentativa seme lhante à que utilizaria em sede de recurso para poder concluir pela inatendibilidade dos respectivos fundamentos, tal indiciará que não estamos perante um “recurso manifestamente infundado” – e, por conseguinte, será de deferir a reclamação e determinar a subida do recurso, ainda que, a final, venha a ser-lhe negado provimento. 10. No Acórdão n.º 269/94, publicado no Diário da República , 2.ª série, de 18 de Junho de 1994, o Tribunal Constitucional abordou o conceito de “recurso manifestamente infundado” e concluiu que ele visa impedir que o recurso de constitucionalidade sirva fins dilatórios: a questão de inconstitucionalidade só deve subir ao Tribunal Constitucional quando apareça, prima facie, dotada de uma certa atendibilidade. A finalidade deste pressuposto de admissibilidade do recurso é, sem dúvida, evitar recursos inúteis, com efei- tos meramente dilatórios. Porém, tendo em atenção as considerações anteriormente expendidas, ele não pode ser utilizado para obstar à subida de recursos cuja atendibilidade seja duvidosa, sob pena de subversão das finalidades e características do meio processual “reclamação”, que não pode substituir o meio processual “recurso” (com dife- rentes prazos e garantias para as partes). Com efeito, é este último o meio próprio para a avaliação ponderada da atendibilidade dos fundamentos do recurso. Resulta do exposto que o conceito de “recurso manifestamente infundado” deve ser delimitado negativamente, como, aliás, decorre da própria formulação legal do conceito. Assim, é “manifestamente infundado” o recurso cuja inatendibilidade seja liminarmente evidente ou ostensiva. Isto significa que não há que averiguar se o recurso procede, nem se exige um determinado grau de proba bilidade dessa procedência – caso em que se estaria a entrar, profundamente, na apreciação do respectivo mérito. O que o legislador exige é que se verifique, tão-só, se os fundamentos do recurso são notoriamente inatendíveis. Daqui decorre que o recurso será, por exemplo, “manifestamente infundado” quando nele falte qualquer fun- damentação (ou seja, não se apresente – nem se vislumbre – argumentação no sentido da alegada inconstitucionali- dade) ou quando a fundamentação revele contradições insanáveis de ordem lógica ou valorativa. Nestes casos, uma simples análise sumária ou liminar do requerimento de recurso basta para concluir pelo carácter “manifestamente infundado” do recurso, sem necessidade de uma apreciação circunstanciada dos fundamentos, ou seja, sem entrar na apreciação do fundo do recurso que é reservada para um momento processual ulterior. […]» Tendo em atenção a delimitação do conceito de “manifestamente infundado” expresso na citação que antecede, torna-se claro que o recurso interposto pelo ora reclamante não pode ser considerado, ostensiva ou evidentemente, inatendível. Com efeito, conforme se constata da leitura do despacho reclamado, este não se limita apenas a apreciar se os fundamentos do recurso são notoriamente inatendíveis, fazendo já um juízo sobre a probabilidade de procedência do recurso, face à jurisprudência do Tribunal Constitucional sobre a questão suscitada. Ou seja, entra na apreciação do mérito do recurso para, em face da aludida jurisprudência, concluir que este é «mani festamente infundado». A anterior jurisprudência do Tribunal Constitucional possibilita a prolação de decisão de mérito sumária do recurso pelo próprio Tribunal Constitucional, mas não permite que o tribunal recorrido rejeite o recurso, com o argumento de que este é “manifestamente infundado”. Assim, não sendo de reputar como manifestamente infundada, para os efeitos do disposto no artigo 76.º, n.º 2, da LTC, a questão de constitucionalidade suscitada e não se verificando a ausência de qualquer requisito essencial ao conhecimento do mérito do recurso interposto, o tribunal recorrido não o podia ter rejeitado, pelo que deve ser deferida a reclamação apresentada.
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