TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 79.º Volume \ 2010
390 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Isto porque, o dever de fundamentação é uma garantia do princípio do Estado de direito democrático con- sagrado no artigo 2.º da Constituição, o qual no caso vertente, é definido e assegurado designadamente, pelo disposto no n.º 2 do artigo 659.º, do C. P. Civil, o qual impõe com toda a segurança que na sentença conste a fundamentação de facto. Em virtude desta, ser necessariamente um antecendente da discriminação dos factos considerados provados e a matéria de direito estar enumerada imediatamente antes da decisão final. Pelo que, a expressão contida no início do n.º 2 do artigo 659º do C. P. Civil, “Seguem-se os fundamentos,...”, têm de dizer respeito à fundamentação de facto na sentença. Por outro lado, como decorre designadamente, do Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 55/85, a funda- mentação dos actos jurisdicionais destina-se a cumprir duas funções: a) Uma, de ordem endoprocessual e que visa essencialmente: – Impor ao juiz um momento de verificação e controlo crítico da lógica da decisão; – Permitir às partes o recurso da decisão com perfeito conhecimento da situação; – Colocar o tribunal de recurso em posição de exprimir, em termos mais seguros, um juízo concordante ou divergente. b) E outra, de ordem extraprocessual, que apenas ganha evidência com a referência, a nível constitucional, ao dever de motivação e que procura acima de tudo tornar possível um controlo externo e geral sobre a fundamentação factual, lógica e jurídica da decisão. Ora, como é por demais evidente, uma sentença em que não conste nenhuma fundamentação de facto, não se mostra apta a cumprir com a função endoprocessual nem com a função extraprocessual. Desde logo, a função endoprocessual não é cumprida porque não constando na sentença, nenhuns dos funda- mentos de facto, as partes deixam de poder ter perfeito conhecimento da situação e ficam impedidas de poderem arguir a sua nulidade ao abrigo da alínea c) do n.º 1 do artigo 668.º, do C. P. Civil, em virtude de nela não cons tarem os fundamentos. Porquanto, não constando os fundamentos na sentença, jamais as partes terão sequer a possibilidade de veri- ficar se os inexistentes fundamentos estão em oposição com a decisão, nos termos da alínea c) do n.º 1 do artigo 668.º, do C. P. Civil. Acresce que, a não especificação dos fundamentos de facto na sentença, é causa do sua nulidade nos termos da alínea b) do n.º 1, do artigo 668.º, do C. P. Civil. Na sentença que não conste qualquer fundamentação de facto, também é de todo impossível cumprir-se com a função extroprocessual da fundamentação, porque impede a possibilidade de um controlo externo e geral, em virtude de nela não constar nenhuma fundamentação factual. Assim, com base na fundamentação exposta designadamente, nos Acórdãos n. os 55/85 e 56/97, proferidos pelo Tribunal Constitucional, bem como no disposto no n.º 2 do artigo 659.º, do C. P. Civil, que é confirmado pela alínea b) do n.º 1 do artigo 668.º, do mesmo diploma legal, a sentença que não conste quaisquer fundamentos de facto ofende os princípios do Estado de direito democrático, da vinculação à Lei e da fundamentação das decisões dos tri- bunais, consagrados respectiva mente, nos artigos 2.º, 203.º e 205.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa. Nestes termos e nos mais de direito, deve ser atendida a presente reclamação e, em consequência, ser revogada a decisão sumária proferida pelo Exm.º Juiz Conselheiro Relator deste Tribunal, declarando inconstitucional a norma do n.º 2 do artigo 659.º do Código de Processo Civil, na interpretação segundo a qual na sentença basta indicar os factos provados, assentes na fase do saneamento e condensação ou em julgamento da matéria de facto, em resposta à base instrutória, quando a sentença não tenha procedido à apreciação de quaisquer provas, para além daquelas que já tenham sido oportunamente apreciadas e cuja fundamentação conste dos locais próprios, por a mesma não estar em conformidade com o consagrado nas normas dos artigos 2.º, 203.º e 205.º, n.º 1, da Consti- tuição da República Portuguesa e em virtude de não se mostrar apta a cumprir com as funções endoprocessual e extraprocessual subjacente à fundamentação.»
Made with FlippingBook
RkJQdWJsaXNoZXIy Mzk2NjU=