TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 79.º Volume \ 2010

381 acórdão n.º 496/10 com expressa exclusão daqueles “cuja elaboração não releve da actividade administrativa” – cfr. artigos 2.º e 4.º, n.º 2, alínea b), (neste sentido, Mário Aroso de Almeida/Carlos Fernandes Cadilha, Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos , 3.ª edição, Coimbra, p. 696). Tendo o acórdão recorrido adoptado uma leitura mais abrangente da referida disposição, englobando no âmbito aplicativo do diploma todas as empresas públicas, sem qualquer distinção – e que o Tribunal Constitucional não pode sindicar, no plano do direito ordinário –, a questão que se coloca é a de saber se tal interpretação normativa pode constituir uma discriminação constitucionalmente infundada em relação às empresas públicas que actuem em plena e livre concorrência, em termos de colocar em causa a garantia institucional de reserva do sector empresarial do Estado segundo os apontados princípios de eficiência e da concorrência. É patente – como, aliás, se reconhece no Acórdão – que a sujeição das empresas públicas concorrenciais ao dever de revelação de documentos e registos relativos às operações de venda e arrendamento ou cedência de propriedades do Estado, ainda que respeitem apenas a processos findos, agrava posição negocial des- sas empresas e põe em risco a aptidão para intervirem no mercado em confronto com as outras empresas imobiliárias. Nesse sentido, a medida legislativa, objectivamente, põe em causa o princípio da eficiência do sector público e o princípio da concorrência entre empresas dos sectores público e privado que intervenham na mesma área de actividade. Não tem validade a consideração de que se trata de empresas públicas estaduais, visto que o Estado- -legislador não pode deixar de cumprir os imperativos da constituição económica mesmo em relação às empresas do sector público empresarial. De resto, no estrito plano das regras de concorrência, torna-se tão relevante o desvalor das medidas legislativas que atribuam exclusivos ou privilégios às empresas públicas que actuem em economia de mercado, como, inversamente, o daquelas que imponham encargos ou sujeições às empresas públicas que se tornem susceptíveis de distorcer o funcionamento do mercado. Certo é que a Constituição confere ao legislador uma ampla margem de liberdade de conformação quanto à definição dos exactos limites entre o sector público e do sector privado, significando que pode variar a dimensão de cada um dos sectores e apenas lhe está vedado ampliar ou reduzir excessivamente qualquer deles em termos de afectar o núcleo essencial da garantia da coexistência de sectores. O que está em causa, na situação vertente, não é, contudo, a garantia institucional da existência do sector público empresarial, mas a possível violação de critérios normativos autónomos, que se encontram constitucionalmente consagrados – como o princípio da eficiência ou o princípio da concorrência -, e relativamente aos quais não se torna exigível, para efeito do controlo de constitucionalidade, um especial grau de intensidade ou de evidência. O legislador poderia ter mantido a gestão do património imobiliário do Estado no âmbito do sector público administrativo, ou atribuído essa função a empresas públicas empresariais ou a empresas públicas que pudessem integrar a categoria de empresas prestadoras de serviços públicos, relativamente às quais o controlo público é mais intenso. Mas tendo optado por delegar essa actividade em empresas públicas socie­ tárias que operam em ambiente de mercado e se regem por meros critérios económicos de decisão, estas não podem ficar sujeitas a entraves e constrangimentos de ordem procedimental que enfraqueçam ou limitem o seu modo típico de actuação e ponham em risco as finalidades de uma gestão mais eficiente e da obtenção de um lucro. Basta considerar que o dever de prestar informação sobre documentos atinentes às operações de aliena­ ção, arrendamento ou cedência de imóveis do Estado, não se encontrando normalmente abrangida, pela sua própria natureza, por qualquer das restrições legais ao direito de acesso a que se refere o artigo 6.º, n.º 6, da LADA, poderá ser utilizada pelos requerentes, não apenas para fins privados, mas para competir, na mesma área de intervenção económica, com as empresas públicas a quem incumbe a gestão desse património. No caso, a interpretação adoptada pelo tribunal recorrido, ao conferir relevo apenas ao facto de se tratar de empresas do sector público, desconsiderando que actuam como meros operadores económicos, coloca essas

RkJQdWJsaXNoZXIy Mzk2NjU=