TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 79.º Volume \ 2010

380 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL DECLARAÇÃO DE VOTO As empresas públicas recorrentes, de acordo com os respectivos estatutos orgânicos, não podem ser entendidas como entidades dotadas de poderes de autoridade, para os efeitos do artigo 14.º do Decreto-Lei n.º 558/99, de 17 de Dezembro, nem são empresas prestadoras de serviços públicos, que o mesmo diploma define como sendo apenas aquelas que devam assegurar a universalidade e continuidade dos serviços presta- dos e agir de acordo com o princípio de tratamento igualitário dos utilizadores (artigos 19.º e 20.º). Por outro lado, o seu objecto social prende-se, directa ou indirectamente, com a realização de operações de alienação, promoção e arrendamento de bens do património imobiliário público, assim como visa o finan- ciamento da respectiva actividade, pelo que se não reporta a uma actividade administrativa, na medida em que não envolve o exercício de prerrogativas de poder público ou a sujeição a disposições ou princípios de direito administrativo. Trata-se, por isso, de empresas públicas puramente concorrenciais, que exercem uma actividade privada e se encontram no mercado em situação equiparada à de outras empresas concorrentes do sector privado. Como tal, essas empresas, enquanto entidades administrativas privadas ou empresas privadas de mão públi- ca, apenas poderão encontrar-se subordinadas aos princípios da actividade administrativa, entendidos estes como limites negativos de actuação ou parâmetros de juridicidade, e não como critérios directos de actuação. Admite-se, por exemplo, que aos respectivos órgãos dirigentes se torne extensivo o regime de impedi- mentos do Código do Procedimento Administrativo (CPA) (por respeito ao princípio da imparcialidade) ou o critério de tratamento igualitário dos particulares (por respeito ao princípio da igualdade), mas não já o dever de decisão (artigo 9.º do CPA) ou o dever de fundamentação das decisões (artigo 124.º do CPA). E, por identidade de razão, não lhes é também aplicável o dever de informação sobre documentos que tenham em seu poder, por efeito do exercício da sua actividade, e que provêm apenas da prática de actos correntes de gestão privada. Não pode ignorar-se, por outro lado, que a Constituição, no artigo 80.º, alínea c) , garante, num con- texto de economia mista, a liberdade de iniciativa económica e de organização empresarial nos três sectores económicos, incluído portanto o sector público, dando às entidades públicas tendencialmente a mesma liberdade de iniciativa económica que as entidades privadas e cooperativas, e, no artigo 81.º, alínea c) , asse­ gura a plena utilização das forças produtivas, designadamente através do princípio de eficiência do sector público, o que aponta para a implementação de medidas de gestão empresarial do sector público e a sua sujei­ ção a mecanismos de concorrência (Gomes Canotilho /Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada , 4.ª edição, I vol., Coimbra, pp. 958 e 968). A garantia institucional do sector empresarial do Estado assegura, nestes termos, um tratamento público essencialmente igual das empresas dos diversos sectores, sem discriminações injustificadas, e sempre que se trate de empresas públicas que operam no mercado em concorrência elas têm de dispor de margem de auto- nomia de gestão necessária para participarem no mercado em pé de igualdade com as empresas privadas, não podendo estar sujeitas a formas estritas de controlo administrativo que entravem a sua liberdade de actuação ( idem , pp. 977 e 981). Relativamente à norma do artigo 4.º, n.º 1, alínea d) , da Lei de Acesso aos Documentos Administrativos (LADA) seria possível, portanto, formular uma interpretação conforme à Constituição que viesse a conside­ rar a referência aí feita aos “órgãos das empresas públicas” como respeitando apenas aos documentos pro- duzidos por entidades jurídico-privadas que disponham de prerrogativas de autoridade ou submetam certos aspectos do seu funcionamento a um regime de direito administrativo, e não já àqueles que sejam elaborados ou obtidos no âmbito de actividades que se regem pela lógica de mercado e de livre concorrência ou visam a simples prossecução de interesses privados, ainda que de carácter não lucrativo. Apontando nesse sentido, também, a circunstância de a LADA pretender apenas regular o acesso aos “documentos administrativos”,

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