TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 79.º Volume \ 2010
376 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL 10. Importa seguidamente ponderar as objecções esgrimidas contra a interpretação normativa em causa a partir dos princípios fundamentais da ordem jurídico-política da economia, isto é, do conjunto de normas e princípios constitucionais que caracterizam basicamente a organização económica, determinando as princi- pais regras do seu funcionamento, delimitando a esfera de acção dos diferentes sujeitos económicos e o papel do Estado na economia, prescrevendo os grandes objectivos da política económica (a chamada “constituição económica”). Essencialmente, considera a recorrente que a norma em causa fere desproporcionadamente os princípios da coexistência dos sectores público e privado da economia e o princípio da concorrência É certo que constituem princípios fundamentais da organização económico social a coexistência do sec- tor público, do sector privado e do sector cooperativo e social de propriedade dos meios de produção [artigo 80.º, alínea b )] e a liberdade de iniciativa e organização no quadro de uma economia mista [artigo 80.º, alínea c )]. E que incumbe prioritariamente ao Estado, no âmbito económico e social, assegurar o funciona- mento eficiente dos mercados, de modo a garantir a equilibrada concorrência entre as empresas, a contrariar as formas de organização monopolistas e a reprimir os abusos de posição dominante e outras práticas lesivas do interesse geral [alínea f ) do artigo 81.º]. Trata-se de uma garantia institucional de cada um dos referidos sectores, impedindo a eliminação de qualquer deles, mas mantendo o poder político uma ampla margem de opção, segundo a concepção mais ou menos liberal ou intervencionista que democraticamente prevaleça. Como dizem G. Canotilho e V. Moreira, Constituição..., p. 958, as três formas de iniciativa são concorrenciais nas áreas em que “coabitam”, não podendoo poder público tirar proveito da sua condição e dos seus poderes públicos para criar vantagens para as suas empresas. O princípio da concorrência não exclui as empresas públicas. A constituição económica garante a existência de um sector público mais ou menos extenso, mas impede que as empresas que fazem parte do sector público empresarial sejam favorecidos pelo Estado relativamente às suas concorrentes de outros sectores ( ibidem, p. 970). Porém, já não pode retirar-se do princípio da concorrência, isolado ou conjugadamente com a garantia da co-existência dos sectores, uma imposição de igualitarização necessária de condições de funcionamento e organização das entidades empresariais públicas que prevaleça sobre outros princípios a que, pela sua duplanatureza – de interveniente no mercado e de instrumento do ente público instituidor para prosseguir interessesda colectividade nacional postos pela lei a seu cargo, mediante a mobilização de fundos públicos –, devam ficar sujeitas, de modo tal que, em maximização daquele princípio, não lhe pudessem ser impos- tas obrigações ou deveres inerentes ou justificáveis pelo seu carácter público. Um desses ónus ou servidões, inerentes à natureza pública das tarefas prosseguidas ou dos meios envolvidos, é o que decorre do princípio da transparência administrativa que pode justificar que a empresa pública seja colocada, quanto à reserva de informação em seu poder, em termos menos favoráveis de intervenção no mercado do que os seus concor- rentes. As empresas públicas são classicamente integradas pela doutrina e jurisprudência nacionais na chamada “administração indirecta”, em virtude de constituírem entes, com personalidade de direito privado ou de direito público, que constituem instrumento de, mediata ou imediatamente, prosseguir fins e desempenhar tarefas postos pela Constituição e pela lei a cargo da Administração (cfr., por exemplo, Freitas do Amaral, Curso de Direito Administrativo, vol. I, 3.ª edição, pp. 353/360 e 384/417). Mas, sob esse comum enquadra- mento, podem encontrar-se em situações muito heterogéneas, seja quanto à relação com o desempenho de tarefas da responsabilidade originária do ente público criador, seja quanto à prestação de bens ou serviços e à intervenção concorrencial no mercado. Como diz Pedro Gonçalves, “O direito de acesso à informação detida por empresas do sector público” in Cadernos de Justiça Administrativa, n.º 81, p. 3. «(...) as empresas do sector público podem dedicar-se a tarefas da esfera da responsabilidade originária das entidades públicas participantes – eis o que se verifica com as empresas que, por exemplo, se ocupam da gestão de serviços públicos da responsabilidade dos municípios, da gestão das obras públicas municipais ou da gestão
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