TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 79.º Volume \ 2010
375 acórdão n.º 496/10 respeitar. Nada impede que uma norma se conceba como estabelecendo um direito subjectivo fundamentale ao mesmo tempo uma garantia objectiva, para usar a expressão do Tribunal Constitucional Federal Alemão ( apud Inaki Lasagabaster, “ Derechos Fundamentales Y Personas Juridicas de Derecho Publico”, in Estudios sobre la Constitucion Espanola - Homenaje al Professor Eduardo Garcia de Enterria, Tomo II, p. 672). As normas de direi- tos fundamentais não contêm apenas direitos subjectivos de defesa de cada sujeito frente ao Estado. Incorporam simultaneamente uma ordem objectiva de valores que, como decisão fundamental jurídico-constitucional, rege em todos os campos do Direito e dá directrizes e impulsos à legislação, administração e jurisprudência. 8. A argumentação dos recorrentes vai dirigida a sustentar que a referida interpretação normativa, ao não distinguir a particular situação das empresas públicas que se submetem à lógica do mercado e da concor- rência das restantes – que possuem prerrogativas especiais de direito público –, sujeitando-as a obrigações de informação totalmente diversas daquelas com que se deparam as empresas privadas, sem um mecanismo de adequada ponderação, põe em causa não só o direito de propriedade e a liberdade de empresa (tutelados nos artigos 62.º e 61.º da CRP), mas também o princípio da coexistência dos sectores público, privado e cooperativo e social e o princípio da concorrência [consagrados na alínea b ) do artigo 80.º, no artigo 82.º e na alínea c ) do artigo 81.º, respectivamente], bem como, em última análise, o próprio princípio da igualdade (dado que sujeita aquelas empresas públicas a um tratamento muito diverso daquele que rege as empresas privadas, com as quais se encontram em concorrência). Arranca esta argumentação da ideia de que a sujeição de toda a actividade das empresas públicas, pari- tária ou autoritária, de gestão privada ou de gestão pública, ao princípio da transparência administrativa constituiria uma restrição desproporcionada à liberdade de organização, gestão e actividade de empresa (a vertente institucional da liberdade de iniciativa económica privada). Há um equívoco na raiz desta argumentação. As empresas públicas, mesmo aquelas que se submetem à lógica do mercado e da concorrência, não cabem no âmbito subjectivo do direito de iniciativa económica previsto no artigo 61.º da Constituição, pelo que este preceito constitucional é imprestável para proibir me- didas legislativas de que possam resultar restrições à actuação de tais entes económicos. Efectivamente, o que a Constituição aí reconhece (n.º 1 do artigo 61.º) e reconhece-o com a natureza de um direito fundamental (Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 4.ª edição, p. 789), é a iniciativa económica não pública: a iniciativa privada, a iniciativa cooperativa e a iniciativa autogestionária. Tutela-se nesse preceito, em conjugação com o artigo 80.º, n.º 2, alínea c ), a liberdade de iniciativa e de orga- nização empresarial no âmbito de uma economia mista, mas por parte dos privados, não dos entes públicos, ainda que a exerçam através de entes personalizados que revistam forma de direito comercial ou desenvol- vam a sua actividade segundo o direito privado. A iniciativa económica que através destes se desenvolve está no outro pólo do princípio da “economia mista” que a Constituição prevê: constituem iniciativa pública. Respeitam-lhes outras normas da “constituição económica” que estabelecem princípios objectivos da orga- nização económica, mas não estas que conferem direitos, liberdades e garantias contra o Estado. Não pode, pois, este princípio considerar-se violado pela norma em apreciação, uma vez que a situação não cabe no âmbito de aplicação do preceito. 9. Também não é procedente a arguição de que o sentido normativo em causa atenta contra qualquer dimensão ou componente da garantia do direito de propriedade privada, assegurada pelo artigo 62.º da Constituição. Na verdade, é manifesto que a sujeição ao dever de facultar a consulta dos documentos e registos de que se é detentor não é susceptível de contender (a) com a liberdade de adquirir bens, (b) com a liberdade de usar fruir os bens de que se é proprietário, (c) com a liberdade de os transmitir, (d) ou com o direito de não ser privado deles. Essa sujeição pode repercutir-se negativamente no desenvolvimento da actividade da empresa e diminuir a sua aptidão para gerar proveitos, mas não incide sobre a relação privada dessas entidades com quaisquer bens ou direitos patrimoniais.
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