TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 79.º Volume \ 2010
372 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL não existam no caso do direito de acesso do n.º 2. É que se trata de um género de limites que existe qualquer que seja o modo de definição de um direito na Constituição, porque resultam simplesmente da existência de outros direitos ou bens, igualmente reconhecidos na Constituição e que em certas circunstâncias com eles conflituam, bem como da possibilidade de conflitos em certas circunstâncias entre direitos idênticos na titularidade de dife- rentes pessoas. Os conflitos não podem ser evitados a não ser pela previsão na Constituição dessas circunstâncias e pela consequente transformação dos elementos do conflito em elementos da definição dos direitos ou bens constitucionais em jogo. Ora a previsão exaustiva das circunstâncias que podem dar lugar a conflitos deste tipo é praticamente impossível pela imprevisibilidade das situações de vida e pelos limites da linguagem que procura prevê-las em normas jurídicas, além de que a Constituição nunca pretendeu regular pormenorizadamente, ou tão exaustivamente quanto possível, os direitos que consagra. Estas considerações aplicam-se a todos os direitos fundamentais reconhecidos na Constituição. Todos esses direitos podem ser limitados ou comprimidos por outros direitos ou bens constitucionalmente protegidos, sem excluir a possibilidade de conflitos entre direitos idênticos na titularidade de diferentes pessoas (pense-se, quanto ao direito à vida, no regime legal de legítima defesa e do con- flito de deveres, e no dever fundamental de defesa da Pátria – artigo 276.º, n.º 1, da Constituição), sendo sempre necessário fundamentar a necessidade da limitação ou compressão quando ela não se obtém por interpretação das normas constitucionais que regulam esses direitos». 6. A Lei de Acesso aos Documentos Administrativos (Lei n.º 46/2007, de 24 de Agosto – LADA) regula,em geral, este último direito, o direito de acesso a arquivos e registos administrativos, como direito uti cives , fora do quadro subjectivo e cronológico de um procedimento administrativo concreto. No âmbito de aplicação da LADA, todos, sem necessidade de enunciar qualquer interesse legitiman- te, têm direito de aceso aos documentos administrativos, o qual compreende os direitos de consulta, de reprodução e de informação sobre a sua existência e conteúdo (artigo 5.º). Por documento administrativo entende-se, na definição do artigo 3.º dessa Lei, “qualquer suporte de informação sob forma escrita, visual, sonora, electrónica ou outra forma material, na posse dos órgãos e entidades referidos no artigo seguinte, ou detidos em seu nome”. É particularmente problemático (e não apenas entre nós, como pode ver-se em F. Caringella, R. Garo foli, M.T. Sempreviva, L’ Accesso ai Documenti Amministrativi, pp. 139 e segs.) o âmbito subjectivo de apli- cação do regime de acesso no que respeita a documentos em poder de empresas do sector público, designa damente quando estas são organizadas sob forma societária e prosseguem a sua actividade sob a égide do direito privado. Anteriormente à Lei n.º 46/2007, no domínio da Lei n.º 65/93, de 26 de Agosto (alterada pelas Leis n. os 8/95, de 29 de Março e 94/99, de 16 de Julho, bem como pelo artigo 19.º da Lei n.º 19/2006, de 12 de Junho) era controversa a extensão do direito de acesso a documentos detidos por empresas públicas, formando-se duas correntes principais na interpretação dessa lei: uma, que prevalecia na Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos (cfr. Pareceres da Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos - CADA n. os 164/01, 12/05, 44/05 e 81/05, in www.cada.pt; Miguel Assis Raimundo, As Empresas Públicas nos Tribunais Administrativos, pp. 204 e segs.), no sentido da sujeição total das empresas públicas ao regime de informação administrativa não procedimental (princípio do arquivo aberto) e outra defendendo que esse regime só era aplicável quando e na medida em que tais entes exercessem poderes de autoridade (Pedro Gonçalves, Entidades Privadas com Poderes Públicos, pp. 293-294; Fernando Condesso, Direito à Informação Administrativa, pp. 103-104; Raquel Carvalho, Lei de Acesso aos Documentos da Administração, p. 24; José Renato Gonçalves, Acesso à Informação das Entidades Públicas, pp. 40-41 e pp. 140 e segs.). O acórdão recorrido interpretou, com recurso a elementos de natureza histórica, sistemática e teleo lógica, a evolução legislativa que culminou nas alíneas d) e f ) do n.º 1 do artigo 4.º da Lei n.º 46/2007, onde se refere expressamente estarem abrangidos pelo âmbito de aplicação desse desta Lei os “órgãos das empresas públicas” e os “órgãos das empresas regionais, intermunicipais e municipais”, como consagrando a opção legislativa de sujeição das empresas públicas, independentemente do exercício ou não de poderes
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