TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 79.º Volume \ 2010
371 acórdão n.º 496/10 Com efeito, o n.º 2 do artigo 268.º da Constituição, introduzido pela revisão constitucional de 1989, veio permitir o acesso generalizado dos administrados aos documentos e registos da Administração, sem necessidade de invocar uma posição legitimadora, a partir do momento em que tais elementos se não inte grem ou respeitem a um procedimento administrativo em curso. Trata-se de um direito fundamental, de natureza análoga aos direitos, liberdades e garantias (Jorge Miranda e Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, Tomo III, p. 601), embora essencialmente intencionado a salvaguardar o interesse de todos (o interesse público) na transparência da actividade administrativa, como forma de garantia do respeito pelos princípios constitucionais, norteadores dessa actividade, da igualdade, da proporcionalidade, da justiça, da imparcialidade e da boa fé (artigo 266.º da CRP) e, ainda, da eficiência administrativa e do bom uso dos fundos públicos, pelo menos reflexamente. Inspirado numa tradição de abertura dos arquivos da Administração de origem nórdica (cfr., Luís AlbertoPomed Sanchez, El derecho de acceso de los ciudadanos a los archivos e registros administrativos, pp. 25 e segs.), este direito geral de acesso aos documentos em poder da Administração (o princípio do arquivo aberto) foi-se difundindo nas últimas décadas do século XX por diversos ordenamentos jurídicos europeus (designadamente, na Alemanha, França, Itália, Espanha e Portugal) onde, em maior ou menos grau conso- ante as diversas culturas jurídicas e de relacionamento entre a Administração e os cidadãos, de modo geral vigorava um princípio de reserva ( arcana praxis ). E também foi consagrado ao nível da Administração comunitária, onde o artigo 255.º do Tratado de Amesterdão (corresponde-lhe actualmente o artigo 15.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Euro- peia – TFUE) estabeleceu um princípio de geral acessibilidade aos arquivos relativos à actuação das institui ções comunitárias, em desenvolvimento do qual veio a ser adoptado o Regulamento (CE) n.º 1049/2001, do Parlamento e do Conselho, de 30 de Maio de 2001, publicado no Jornal Oficial L 145, de 31 de Maio de 2001. E, com fonte comunitária, foi imposto em domínios específicos no direito interno dos Estados- -membros, designadamente nas áreas da contratação pública e do ambiente. Refira-se, ainda, que o Conselho da Europa aprovou, em 18 de Junho de 2009, uma Convenção rela- tiva ao acesso aos documentos públicos ( Série des Traités du Conseil de l’ Europe – n.º 205), considerando a importância que reveste, numa sociedade democrática pluralista a transparência das autoridades públicas e salientando que o exercício do direito de acesso aos documentos públicos (i) fornece uma fonte de informa- ção ao público; (ii) contribui para que o público forme uma opinião sobre o estado da sociedade e sobre as autoridades públicas; (iii) favorece a integridade, o bom funcionamento, a eficácia e a responsabilidade das autoridades públicas, contribuindo para a afirmação da sua legitimidade. 5. Obviamente que este direito não é absoluto. O princípio do arquivo aberto e o correspondente direito de acesso dos cidadãos aos documentos e registos em poder da Administração admite constitucionalmente limitações. Como se disse no Acórdão n.º 254/99, in www.tribunalconstitucional.pt , : «(…) todos os direitos de informação frente à Administração Pública consagrados no artigo 268.º estão limita- dos por outros direitos ou bens constitucionalmente protegidos que com eles conflituam (assim Gomes Canotilho, ibidem ). Tais limites, ditos a posteriori , por se determinarem depois da determinação do conteúdo do direito por via de interpretação (a qual poderá determinar limites desse conteúdo), sempre seriam admissíveis, quer no direito de informação procedimental do n.º 1, quer no direito de informação instrumental do direito de tutela jurisdi- cional. Os dois direitos estão, aliás, estreitamente ligados na sua regulação legal, na medida em que o Código do Procedimento Administrativo (CPA) e a Lei de Processo nos Tribunais Administrativos (LPTA) integram o último no regime do direito de informação procedimental do artigo 62.º do CPA e do artigo 82.º do LPTA, e ainda na medida em que se considera, como o acórdão aqui recorrido, que o interesse na informação pretendida para uso administrativo ou procedimental é um interesse legítimo no conhecimento dos elementos pretendidos a que se refere o 64.º do CPA para o efeito de considerar o direito de informação procedimental reconhecido no artigo 62.º extensivo às pessoas que provem ter tal interesse. Ora não há nenhuma razão para que limites do mesmo género
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