TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 79.º Volume \ 2010

367 acórdão n.º 496/10 produtivo concorrencial. Na verdade, e ao contrário do que sucede no primeiro, neste último a afectação óptima dos recursos está em princípio assegurada pelas regras do mercado e respectiva regulação pública, em que se salien- tam os referidos princípios da eficiência dos mercados e da concorrência. Uma das vertentes deste último é a da paridade de tratamento: as empresas públicas e privadas devem estar em pé de igualdade e a respectiva competição deve ser equilibrada e salutar. No fundo, isso é também uma exigência, neste domínio, do princípio da igualdade (Cfr artigo 13.º). 24. Havendo constitucionalmente uma coexistência concorrente do sector produtivo público, nomeadamente, com o sector privado, e o desenvolvimento da actividade nesse ambiente competitivo, no quadro de uma economia de mercado mista e concorrencial, tal significa que as empresas públicas – necessariamente sujeitas a um princípio de igualdade concorrencial no confronto com as empresas privadas, quer por força do princípio da concorrência, quer em virtude da liberdade de empresa, que, no contexto em apreço, assume naturalmente a forma de liberdade de concorrer devem também, em princípio, beneficiar dessa mesma igualdade concorrencial, isto é, não devem ser desfavorecidas na luta concorrencial e na correspondente maximização da eficiência produtiva. O próprio princípio da igualdade (Cfr. artigo 13.º da CRP), quando aplicado à situação, leva ao mesmo resultado. 25. Ora, um dos pressupostos fundamentais da luta concorrencial é a «reserva privada» de cada uma das em- presas participantes, sejam elas públicas, privadas, cooperativas ou de outra natureza, o seu património de conhe- cimento e informação, compreendendo em especial os segredos de negócio (comerciais ou industriais) (Cfr. artigo 318.º do CPI), a informação escriturada (abarcando, nomeadamente os registos contabilísticos das operações sociais e os respectivos documentos de suporte – artigos 29.º e seguintes do Código Comercial), os procedimen- tos gerais, sistemas remuneratórios, etc. De facto, isso faz parte da sua armadura competitiva. A devassa da vida reservada das empresas sempre foi considerada um acto de concorrência desleal e/ou uma violação da propriedade empresarial. E, nas organizações societário-empresariais, os próprios titulares do capital e membros das mesmas, singularmente considerados, têm um direito à informação limitado. 26. Este quadro de valores e princípios, vertidos na Lei Fundamental, não pode ser subvertido por leis ordi­ nárias, porventura aprovadas por maiorias simples absolutas ou nem isso. Quer dizer, impõe-se ao legislador ordi­ nário. 27. A interpretação perfilhada no Acórdão recorrido ignora esta problemática constitucional. Ao concluir, afinal, pela sujeição de toda a actividade (paritária e/ou autoritária, de gestão privada e/ou de gestão pública) das empresas públicas a facultarem a todos (incluindo, claro está, aos seus concorrentes) os seus documentos, o Acórdão recorrido impõe um enorme constrangimento sobre actividade daquelas empresas, que passam a ver toda a sua actuação na praça pública. 28. Ao contrário do que pressupõe o Acórdão recorrido, o artigo 6.º, n.º 6, da LADA, a restrição de acesso aos documentos ali consagrada tem um alcance muito diminuto, não permitindo tutelar aqueles outros valores e princípios constitucionais. 29. Com aquele efeito, aquele preceito apenas permite que os documentos que contenham segredos comer- ciais, industriais e da vida interna das empresas poderão, em determinadas circunstâncias, não sejam facultados a todos (mas apenas àqueles demonstrarem um interesse directo, pessoal e legítimo segundo o princípio da propor- cionalidade – cfr. artigo 6.º, n.º 6, da LADA). 30. Ao que acresce que aquelas três categorias de documentos têm um alcance muito menor do que aquele que implicitamente lhe é atribuído no Acórdão recorrido, pois são muito poucos os documentos tutelados por aqueles bens. 31. Assim sendo, e ao contrário do que sugeriu o Acórdão recorrido, se se perfilhar a interpretação ali vertida quanto ao âmbito de aplicação do diploma – apenas se exceptuando aqueles que contenham segredos de comércio, de indústria ou sobre a vida interna da empresa – que, ainda assim, são consultáveis por quem tenha um interesse pessoal, directo e legítimo suficientemente relevante –, vemos que o modelo de arquivo aberto consagrado para as empresas públicas que actuam em mercados concorrenciais é tudo menos restritivo, pois quase toda a sua activi- dade fica acessível a todos, nomeadamente aos seus concorrentes.

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