TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 79.º Volume \ 2010

366 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL e também comunitário (cfr. artigos 81.º e seguintes do Tratado CE). Mas não deixa, por isso, de conservar a sua natu­ reza de liberdade fundamental. E, nesta medida, a sua efectividade – para além de ser de interesse público económico e, até, social e político – é igualmente um imperativo para o Estado (Cfr. artigo 2.º da CRP). 13. Por sua vez, o «âmbito do direito de propriedade abrange pelo menos quatro componentes: a) a liberdade de adquirir bens; b) a liberdade de usar e fruir dos bens de que se é proprietário; c) a liberdade de os transmitir: d) o direito de não ser privado deles» – cfr. Gomes Canotilho/Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada , Tomo 1, 4.ª edição revista e actualizada, Coimbra Editora, p. 802. 14. Muito embora não restem dúvidas de que as pessoas colectivas públicas não são detentoras de direitos fun- damentais nos mesmos moldes que as pessoas colectivas privadas, isso não significa, no entanto, que se lhes negue em absoluto a titularidade de alguns direitos fundamentais (ou de algumas dimensões dos mesmos). 15. Se não parecem restar dúvidas de que um dos direitos que não podem ser negados às pessoas colectivas públicas é o direito de propriedade, (cfr. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada , Tomo 1, 4.ª edição revista e actualizada, Coimbra Editora, p. 801), o mesmo se passa, também, com outros direitos fundamentais (ou com algumas dimensões dos mesmos). 16. O que é tanto mais importante quando nos deparamos com empresas públicas que actuam em mercados concorrenciais, como têm sublinhado o Tribunal Constitucional Federal Alemão e a doutrina germânica, que têm vindo a admitir a possibilidade de reconhecimento da titularidade de direitos fundamentais a pessoas colectivas de direito público e, genericamente, às entidades de natureza empresarial integradas no sector público, quando a actuação destas se reconduza ao desenvolvimento de actividades de carácter económico e, em especial, quando inseridas num mercado concorrencial, como sucede no presente caso. 17. Esta orientação funda-se, no essencial, na consideração, inteiramente transponível para o caso que aqui nos ocupa, de que, nestes casos, as entidades integradas no sector público se encontram colocadas, no que toca à actividade económica desenvolvida, numa posição equiparável à de outras empresas de natureza privada actuantes no mesmo mercado. 18. Tudo isto é reforçado quando se conjuga a liberdade de empresa e o direito de propriedade com o princípio da coexistência dos sectores público, privado e cooperativo e social, inscrito no artigo 80.º da CRP como um dos princípios fundamentais da organização económico-social do Estado. 19. O princípio da coexistência dos sectores público, privado e cooperativo e social implica, desde logo, que se o legislador pode, em determinado momento, privilegiar um desses sectores, já não pode “aniquilar” qualquer deles, constituindo, desse modo, um dos esteios fundamentais para assegurar a coexistência dos diversos sectores. Com efeito, a economia mista a que se refere a Constituição (e que decorre do princípio da coexistência dos diver- sos sectores) assenta numa economia de mercado aberto e livre concorrência. 20. O princípio da concorrência implica, desde logo, duas leituras: i) por um lado, e esta é talvez a dimensão mais associada ao princípio, é necessário assegurar a concorrência entre as próprias empresas privadas – impedindo, por exemplo, o abuso de posições dominantes ou as práticas restritivas de concorrência; ii) por outro lado, e este ponto é agora decisivo, a concorrência não se confina ao sector privado, tendo também reflexo na necessidade de assegurar uma sã concorrência entre o sector privado e o sector público da economia, procurando garantir o equilíbrio entre ambos. 21. Assim, deve ser assegurada uma salutar concorrência entre as empresas públicas e privadas, tanto no sentido de impedir que o regime das empresas públicas (ou as suas prerrogativas) ponha em causa o regular funcionamento dos mercados, como no sentido de assegurar às empresas públicas condições de concorrer no mercado. 22. Na nossa ordem jurídico-constitucional, o princípio da concorrência não permite qualquer capitis demi­ nutio às empresas públicas incompatível com o princípio da coexistência dos sectores de propriedade, pelo que o legislador não pode impor às empresas públicas que actuam em mercados concorrenciais condições tais que as impossibilitam de competir com as empresas e operadores do sector privado, sob pena de, desse modo, pôr em causa o princípio da concorrência (Cfr. artigo 81.º da CRP) e, indirectamente, o princípio da coexistência dos diversos sectores, consagrado nos artigos 80.º e 82.º da CRP. 23. As considerações anteriores impõem que, neste domínio, se distinga claramente, no que ao sector público respeita, entre o sector administrativo stricto sensu , incluindo o empresarial de imediato interesse público, e o sector

RkJQdWJsaXNoZXIy Mzk2NjU=