TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 79.º Volume \ 2010
365 acórdão n.º 496/10 adequada ponderação, põe em causa não só o direito de propriedade e a liberdade de empresa (tutelados nos artigos 61.º e 62.º da CRP), mas também os princípios da coexistência dos sectores público, privado e cooperativo e social e da concorrência [consagrados na alínea d) do art. 80.º e na alínea c) do artigo 81.º, respectivamente], bem como, em última análise, o próprio princípio da igualdade (dado que trata de modo muito diverso aquelas empresas públicas das restantes empresas privadas, com as quais se encontram em concorrência). 3. O direito ao acesso aos documentos administrativos (também denominado como princípio do arquivo aberto) é um direito fundamental dos cidadãos [ rectius , de todos] que é alvo de uma múltipla tutela no nosso ordenamento jurídico. Assim, ele tem, desde logo, consagração constitucional no artigo 268.º, n.º 2, da CRP. E tem, depois, tutela legal em diversos diplomas jurídicos, entre os quais avulta a tutela que lhe é facultada pela Lei de Acesso aos Documentos Administrativos – a Lei n.º 46/2007. 4. A consagração constitucional daquele princípio do arquivo aberto não é, nem poderia ser, ilimitada. Não o é, de resto, em diversos sentidos. 5. Esse mesmo entendimento foi já, de resto, firmado pelo Tribunal Constitucional. Como se pode ler no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 254/99, «todos os direitos de informação frente à Administração Pública consagrados no artigo 268º estão limitados por outros direitos ou bens constitucionalmente protegidos que com eles conflituam». 6. Uma correcta interpretação daquele princípio constitucional demonstra que o mesmo apenas exige o acesso aos arquivos e documentos das entidades públicas que desempenhem funções administrativas e que, naturalmente, correspondam ao desempenho de urna função administrativa. 7. Foi com este sentido que o direito foi legalmente consagrado na Lei n.º 65/93, de 26 de Agosto. Na verdade, e por força do artigo 3.º daquele diploma, estavam excluídas do âmbito de aplicação as empresas públicas que não exercessem poderem de autoridades e actuassem em mercados concorrenciais, como é o caso das aqui Recorrentes. 8. Muito embora a alteração de 2007 tenha procedido a um alargamento do âmbito de aplicação subjectivo do diploma (como se verifica pela redacção que a Lei n.º 46/2007, de 24 de Agosto, deu ao artigo 4.º daquele diploma), o artigo 3.º da LADA, fundamental para a interpretação do artigo 4.º do mesmo diploma, dispõe expressamente que não são documentos administrativos aqueles « ... cuja elaboração não releve da actividade admi nistrativa». 9. Não foi este, no entanto, o entendimento perfilhado pelo Acórdão de que agora se recorre. Na verdade, o referido Acórdão fez uma interpretação conjugada daqueles preceitos (os artigos 4.º e 3.º da LADA) segundo a qual os mesmos abrangem «... toda a sua actividade [das empresas públicas] (paritária e/ou autoritária, de gestão privada e/ou de gestão pública». 10. Esta interpretação, não só é incorrecta (por motivos que não cabem no presente recurso), como conduz a uma solução normativa inconstitucional. Na verdade, aquela interpretação constitui uma restrição totalmente de- sproporcionada de algumas dimensões do direito de propriedade e da livre iniciativa económica e uma violação de alguns dos princípios jurídicos fundamentais da Constituição económica, como – além do princípio da igualdade – o princípio da coexistência dos sectores público, privado e cooperativo e social – princípio jurídico fundamental do nosso ordenamento jurídico [que constitui, mesmo, um limite material de revisão constitucional, cfr. artigo 288.º, al. f ), da CRP] – e o princípio da concorrência, princípio fundamental para assegurar a referida coexistência entre aqueles sectores. Senão vejamos, 11. Uma das principais dimensões da liberdade de empresa é a liberdade de concorrência. Melhor dito, numa das suas vertentes, a liberdade empresa assume, naturalmente, a forma de uma liberdade de competição económica, ou seja: de conquista de um espaço de influência e negócio no mercado, no plano estratégico; de disputa opera- cional da preferência dos destinatários dos seus bens e/ou serviços; etc. E, a este respeito, importa ter presente o princípio da concorrência efectiva e equilibrada ou salutar que se extrai dos artigos 81.º, alínea f ) e 99.º alíneas a) e c) , ambos da CRP. 12. A liberdade de concorrência é, nestes termos, uma manifestação institucional da liberdade de empresa e, enquantotal, simultaneamente, garantida e regulada pelo direito da concorrência, constitucional, infra-constitucional
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