TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 79.º Volume \ 2010
348 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acordam na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional: 1. Por sentença de 20 de Abril de 2010, decidiu o Tribunal Judicial da Mealhada, no processo n.º 87/09.0GAMLD, absolver o arguido A. da prática, como autor material, do crime de condução de veí- culo em estado de embriaguez, previsto e punido pelo artigo 292.º, n.º 1, do Código Penal. O tribunal considerou, na respectiva fundamentação, que os actuais artigos 153.º, n.º 8, e 156.º, n.º 2, do Código da Estrada (CE), cuja redacção foi introduzida, respectivamente, pelos Decretos-Lei n. os 44/2005, de 23 de Fevereiro, e 265-A/2001, de 28 de Setembro, padecem de inconstitucionalidade orgânica, porque, sem a necessária autorização legislativa [artigo 165.º, n.º 1, alínea c), da Constituição da República Portuguesa], retiraram inovatoriamente ao condutor a possibilidade de, sem incorrer no crime de desobediência, recusar a colheita de sangue para determinação da taxa de alcoolemia, pelo que, assentando a prova desta, imputada ao arguido, em relatório pericial elaborado na sequência da recolha de sangue sem o seu consentimento, como (antes) legalmente exigido – o que foi considerado meio ilegal de prova – se impunha a absolvição do arguido. Dessa decisão recorreu o Ministério Público para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, alínea a) , da Lei do Tribunal Constitucional (LTC), para apreciação da «inconstitucionalidade dos artigos 153.º, n.º 8, e 156.º, n.º 2, do Código da Estrada, cuja aplicabilidade foi recusada, com fundamento em inconstitucionalidade orgânica». Admitido o recurso, pelo Tribunal recorrido, prosseguiram os autos para alegações, tendo o Ministério Público junto deste Tribunal Constitucional, depois de restringir o objecto do recurso à norma do n.º 2 do artigo 156.º do CE, na redacção introduzida pelo citado Decreto-Lei n.º 265-A/2001, de 28 de Setembro, concluído pela sua não inconstitucionalidade orgânica, porquanto, no seu entender, apesar de versar, sem prévia autorização legislativa, matéria inscrita no âmbito da reserva relativa da competência da Assembleia da República, não criou um regime jurídico materialmente diverso daquele que o órgão com competência para tal havia antes instituído, pelo que, na linha do que tem o Tribunal Constitucional reiteradamente sus- tentado, em situações idênticas, é, no caso, irrelevante a intromissão formal, operada pelo citado decreto-lei, em domínio de reserva relativa de competência parlamentar. O recorrido contra-alegou, pugnando pela manutenção do julgado. Cumpre, pois, apreciar e decidir. II – Fundamentação Delimitação do objecto do recurso 2. A decisão recorrida concluiu pela inconstitucionalidade orgânica das normas dos artigos 153.º, n.º 8, e 156.º, n.º 2, do Código da Estrada, por considerar que essas disposições, tendo sido emitidas sem prévia autorização legislativa, vieram retirar ao condutor de veículo automóvel interveniente em acidente de viação a possibilidade, anteriormente prevista, de recusar a colheita de sangue para determinação da taxa de alcoolemia. Nesse sentido, o tribunal recorrido considerou que a sujeição a recolha de sangue sem que o arguido fosse informado quanto à finalidade do procedimento, e sem que lhe fosse dada a oportunidade de consentir ou recusar a sua efectuação, constitui meio ilegal de prova, e, em consequência, por impossibilidade de apurar o estado de influenciado pelo álcool, decidiu absolver o arguido do crime de condução de veículo em estadode embriaguez, previsto e punido pelo artigo 292.º, n.º 1, do Código Penal (CP), de que vinha acusado. Estando, no entanto, em causa apenas um procedimento destinado a detectar a condução sob influên- cia do álcool por parte de um condutor interveniente em acidente de viação, a norma que é directamente aplicável ao caso, e que o tribunal efectivamente aplicou como ratio decidendi , é a do artigo 156.º, n.º 2, do CE, que se refere aos exames a efectuar em caso de acidente, e não a do artigo 153.º, n.º 8, que antes alude aos procedimentos normais de fiscalização rodoviária.
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