TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 79.º Volume \ 2010
345 acórdão n.º 484/10 pela extinção dos direitos reais menores que possam limitar ou comprimir os poderes do proprietário. Só numa perspectiva de maximização da posição do proprietário – porventura integrante de uma vinculação programática no sentido da optimização do aproveitamento dos bens ou de certo tipo de bens, por exemplo da propriedade do solo agrícola – poderia concluir-se pela extinção das servidões prediais de natureza não coerciva. Ora, nem a recorrente faz uma alegação consistente para demonstrá-lo nem se vislumbra que do n.º 1 do artigo 62.º, por si ou conjugado com outros preceitos constitucionais, possa extrair-se um tal conteúdo do direito de propriedade cuja preservação imponha a tutela legislativa contra a limitação dos poderes de gozo da coisa inerentes à própria acção do titular do direito. É certo que a sobreposição ou co-existência de vários direitos reais sobre a mesma coisa é susceptível de tornar menos eficiente o domínio e pode conceber-se como socialmente indesejável a justificar instrumentos jurídicos que, em dadas circunstâncias, lhe permitam pôr termo ( v. g. direito de preferência, extinção por desnecessidade, remição). Mas não se contém na garantia da propriedade privada “nos termos da Constitui ção” uma vinculação social que se caracterize pelo intencionalidade ou propensão restritiva quanto à posição do titular de “direitos reais menores” sobre a mesma coisa no sentido da restauração da plenitude dos direitos de gozo do titular do direito real máximo, que imponha a resolução do conflito a favor deste, segundo um critério objectivo de (des)necessidade da servidão, mesmo perante servidões cuja origem se não revista de natureza coerciva. Por último, sendo a manutenção da servidão, apesar da desnecessidade objectiva superveniente, uma conformação do direito referível à autonomia da vontade do proprietário (o “pai de família” que assim o “destinou” no momento da transmissão) e não uma restrição ou limitação coactiva do direito de propriedade privada resultante da lei, não cabe falar de violação do n.º 2 do artigo 18.º da Constituição. Aliás, o que se apresenta é um conflito de pretensões que o legislador solucionou de modo não arbitrário. Não vingaram sugestões no sentido de estender o regime dos n. os 2 e 3 do artigo 1569.º do Código a todas as servidões que se tornem desnecessárias. Embora logicamente pudesse justificar-se a extinção de todas as servidões que se tornem desnecessárias, há diferença entre servidões constituídas por usucapião ou servidões legais e as servidões voluntárias. Como lembram Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Vol. III, 2.ª edição, p. 676, o legislador entendeu que estender indiscriminadamente a essas servidões o princípio do n.º 2 equivalia a abrir a porta a difíceis problemas de interpretação dos negócios jurídicos, com risco de soluções contrárias à vontade das partes. Para mais, havendo a regra da extinção pelo não uso, julgou- -se mais prudente não ir além dos limites da solução já consagrada na reforma de 1930 ao Código anterior. Pode admitir-se que se desenhem situações que justifiquem a ponderação e a resolução do conflito à luz da proibição do abuso de direito, mas isso é matéria estranha à questão de constitucionalidade. III — Decisão Pelo exposto, decide-se negar provimento ao recurso e condenar a recorrente nas custas, com 25 uni- dades de conta de taxa de justiça. Lisboa, 9 de Dezembro de 2010. – Vítor Gomes – Ana Maria Guerra Martins – Carlos Fernandes Cadilha – Gil Galvão. Anotação: Acórdão publicado no Diário da República , II Série, de 19 de Janeiro de 2011.
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