TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 79.º Volume \ 2010

344 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL que qualifica a servidão como “servidão voluntária”. O que não equivale necessariamente a ter por certo que ela resulta de uma declaração negocial, designadamente de um acordo tácito (cfr. M. Henrique Mesquita, em anotação ao acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 20 de Janeiro de 2005, na Revista de Legislação e de Jurisprudência, n.º 3936, Ano 135.º, pp. 145 e segs.). As servidões extinguem-se por várias causas (artigo 1569.º do Código Civil). Algumas dessas causas de extinção são genéricas, aplicando-se seja qual for a modalidade de constituição da servidão (n.º 1 do artigo 1669.º do Código Civil). De diversa natureza é a extinção por desnecessidade, de aplicação restrita a algumas delas, nos termos dos n. os 2 e 3 do artigo 1569.º do Código Civil, que dispõe como segue: «Artigo 1569.º (Casos de extinção) 1. (….) 2. As servidões constituídas por usucapião serão judicialmente declaradas extintas, a requerimento do proprie­ tário do prédio serviente, desde que se mostrem desnecessárias ao prédio dominante. 3. O disposto no número anterior é aplicável às servidões legais, qualquer que tenha sido o título da sua consti- tuição: tendo havido indemnização, será esta restituída, no todo ou em parte, conforme as circunstâncias. (…)» O acórdão recorrido entendeu que destes preceitos resultava, não cabendo a sua extinção em nenhuma das modalidades neles previstas, que as servidões constituídas por destinação de pai de família eram insus- ceptíveis de extinção por desnecessidade para o prédio dominante. Encontrou explicação material para a diferenciação de regimes no carácter voluntário ou não do facto constitutivo. Aquelas servidões que tem por base um facto voluntário, permitindo a lei que se constituam mesmo que não sejam estritamente necessárias par fruir as utilidades do prédio dominante, não podem extinguir-se por desnecessárias porque então nem sequer se poderiam constituir. Pode ainda acrescentar‑se que seria difícil determinar quais as necessidades exactas que se pretenderam satisfazer com a servidão (Mota Pinto, Revista de Direito e Estudos Sociais , Ano XXI, pp. 149/150). 5. Dos componentes que habitualmente se identificam como integrando o âmbito constitucional do direitode propriedade (vide Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Ano­ tada , Vol. I, 4.ª edição, p. 802), só a liberdade de usar e fruir os bens de que se é proprietário poderia ser posta em causa por virtude da norma submetida a apreciação. Como se destacou, sendo embora certo que a servidão opera automaticamente, como consequência ope lege da existência de sinais visíveis e permanentes da serventia no momento da separação do domínio sobre os prédios dominante e serviente, sempre os interessados podem obstar a que isso suceda, mediante declaração exarada na escritura (ou acto equivalente) de que essa separação resulta. Assim, a perda do poder de excluir todos os outros do gozo da coisa na medida da extensão e conteúdo da servidão, apresenta-se como uma con- formação actual do direito decorrente do modo como o proprietário do prédio serviente (o titular actual ou o seu antecessor) entendeu exercer os poderes inerentes à situação de proprietário, estabelecendo a serventia, mantendo os sinais no momento da transmissão e nada declarando a tal propósito. A obrigação de suportar o exercício da servidão não resulta de uma imposição ab extra da lei ou de um terceiro por esta habilitado com um direito potestativo, mas da destinação que o proprietário deu aos seus bens. Deste modo, para que a alegação da recorrente pudesse colher alguma aceitação seria necessário que da Constituição se retirasse que o direito real de propriedade – a plena in re potestas civilística – recebe do artigo 62.º da Constituição uma conformação incompatível com a manutenção de outros direitos reais de gozo sobrea coisa de que o respectivo titular não tenha estrita necessidade ou que, de qualquer outro lugar da Constituição, é possível retirar um programa vinculativo para o legislador no sentido da preferência

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