TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 79.º Volume \ 2010
343 acórdão n.º 484/10 domínio e não haja no documento respectivo, como no caso ajuizado aconteceu, nenhuma declaração oposta à constituição do encargo.» 2. A recorrente interpôs recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea b ) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro: Alegou e conclui nos seguintes termos: «(…) 1.ª A recorrente pretende com a acção fazer extinguir o direito de servidão constituído por destinação do pai de família, que onera o seu prédio a favor do prédio dos recorridos e uma vez que este prédio passou a dispor desde o ano de 2001 de um outro acesso mais rápido, fácil e cómodo. 2.ª A interpretação literal adoptada pelas instâncias dos n. os 2 e 3 do artigo 1569.º do CC no sentido da impos- sibilidade absoluta de extinção da servidão, viola claramente o direito constitucionalmente consagrado da recor- rente à propriedade privada, por se traduzir numa restrição manifestamente irrazoável e injustificada desse mesmo direito – vd. artigo 62.º da CRP. 3.ª Essa mesma interpretação revela ainda uma manifesta desproporção entre a extrema valoração do direito dos recorridos à manutenção da servidão e o absoluto desprezo pelo direito da recorrente ao gozo pleno do seu direito de propriedade – vd. n.º 2 artigo 18.º CRP.» II — Fundamentos 3. Cabe decidir no presente recurso de constitucionalidade se a norma dos n. os 2 e 3 do artigo 1569.º do Código Civil, interpretados no sentido de que a servidão predial constituída por destinação de pai de família não é susceptível de extinção por desnecessidade, viola o artigo 62.º (garantia constitucional de propriedade privada) e o n.º 2 do artigo 18.º (princípio da proporcionalidade das restrições). A recorrente argumenta – procurando aqui formular de modo geral o discurso das alegações – que esta interpretação, permitindo que sobre o prédio serviente continuem a incidir servidões que se revelam absolutamente desnecessárias para o prédio dominante, se traduz numa restrição manifestamente irrazoável do direito à propriedade privada consagrado no artigo 62.º e consiste numa valoração do direito do titular da servidão, no confronto com o direito do titular do prédio serviente, que viola o n.º 2 do artigo 18.º da Constituição. Liminarmente se dirá que do artigo 62.º da Constituição só ao n.º 1 a recorrente poderá querer referir- -se, porque não está em causa a defesa contra actos ablativos ou agressivos identificáveis como expropriação ou requisição (n.º 2 do artigo 62.º), mas apenas a pretensão de libertação de uma situação preexistente tida por onerosa (a servidão de passagem) dos poderes de gozo e fruição do proprietário do prédio serviente. 4. Servidão predial é o encargo imposto num prédio em proveito exclusivo de outro prédio pertencente a dono diferente (artigo 1543.º do Código Civil). Um dos modos de constituição das servidões prediais é a destinação de pai de família (artigo 1547.º do Código Civil). Dá-se tal constituição se em dois prédios ou em duas fracções de um só prédio houver sinais visíveis e permanentes, postos em um ou em ambos, que revelem serventia de um para com outro, quando em relação ao domínio os dois prédios ou as duas fracções vierem a separar-se, salvo se ao tempo da separação outra coisa se houver declarado no respectivo documento (artigo 1549.º do Código Civil). Enquanto a propriedade se mantiver num único titular, apesar da serventia de um prédio para o outro, não há qualquer consequência jurídica. Se um dos prédios for alienado ou o único prédio se dividir, a manutenção dos sinais visíveis e permanentes dessa serventia é havida como prova da servidão. Está porém na disponibilidade das partes declarar outra coisa no respectivo documento. É esta possibilidade de impedir a transformação de uma situação material ou fáctica numa consequência jurídica
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