TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 79.º Volume \ 2010

342 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acordam na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional: I — Relatório 1. A “Herança aberta por óbito de A.” intentou contra B. e C. uma acção pedindo que se declare extinta, por desnecessidade, uma servidão de passagem que onera um prédio que constitui o acervo hereditário. Essa acção foi julgada procedente em 1.ª instância, mas o Tribunal da Relação de Guimarães revogou a sentença e julgou-a improcedente. O Supremo Tribunal de Justiça, por acórdão de 20 de Março de 2010, confirmou a decisão da Relação, com a seguinte fundamentação na parte que pode interessar ao presente recurso: «(…) A servidão constituir-se-á desde que exista uma relação de serventia entre os dois prédios que deixam de ter o mesmo dono, sendo indiferente o título (servidão, mera tolerância, licença administrativa, contrato com eficácia obrigacional, etc.) em que assenta a utilização dos prédios ou terrenos intermédios (v. Antunes Varela, RLJ, ano 115.º, pág. 222). Na base desta figura encontra-se uma presunção de acordo tácito – uma presunção de intenções imputáveis tanto ao alienante como ao adquirente (Mota Pinto, in Dir. Est. Sociais, Ano XXI, pag. 141). O fundamento jurídico da destinação reside na presunção de que por parte do transmitente e do adquirente houve a intenção de que se perpetuasse a situação de facto existente ao tempo da separação (v. Prof. Pires de Lima, Lições de Direitos Reais, pág. 332). A servidão assim constituída não tem qualquer elo de identidade com o conceito de servidão legal. As servidões legais têm sempre um, carácter coactivo, o que não acontece naquelas, que são sempre voluntárias. Dado que o campo de aplicação dos n. os 2 e 3 do art. 1569.º pressupõem a desnecessidade da servidão no prédio dominante, por que razão, com tal fundamento, não podem extinguir-se as servidões por destinação do pai de família? A resposta a esta pergunta está em que aquelas servidões têm por base um facto voluntário, permitindo a lei que se constituam, mesmo quando não são estritamente necessárias. Por desnecessidade apenas se podem extinguir servidões que não têm na sua base um facto voluntário. Esse regime apenas se compreende para as servidões legais em que a lei sancionou a possibilidade de se consti- tuírem por haver uma necessidade nesse sentido e para as servidões adquiridas por usucapião, porque, também aí, não se verificou um facto voluntário na sua constituição. Já aquelas servidões que têm por base um facto volun- tário, permitindo a lei que se constituam mesmo quando não são estritamente necessárias, não podem extinguir-se por desnecessárias porque, então, nem se poderiam constituir (cfr. Mota Pinto, «Direitos Reais, págs. 342 a 344; Oliveira Ascensão, «Direitos Reais», pág. 467; Menezes Leitão, «Direitos Reais, pág. 420, Penha Gonçalves, «Curso de Direitos Reais, pág. 477 e Carvalho Fernandes, «Lições de Direitos Reais», pág. 438). Defende, por último, a autora que as normas dos n. os 2 e 3 do art. 1569º do C.Civil, são inconstitucionais, quando interpretadas de forma literal como o fez o Tribunal da Relação, pois restringem, sem justificação realista e verdadeira, o direito de propriedade privada da autora e tratam de modo diferenciado as partes processuais (art. 62.º, n.º 2, 18.º e 13.º, da CRP). Mão lhe assiste, porém, razão. Como atrás se referiu, a servidão por destinação do pai de família representa um encargo predial não quali- ficável como servidão legal, mas antes como uma servidão voluntária, que se constitui no preciso momento em que os prédios ou fracções de determinado prédio passam a pertencer a proprietários diferentes e assenta num facto voluntário, consistente na colocação ou aposição do sinal ou de sinais permanentes. Esta servidão assenta, pois, num facto voluntário, sendo certo que, como decorre do citado art. 1549.º, para que se forme uma verdadeira servidão, se exige que os prédios, ou as fracções do prédio, se separem quanto ao seu

RkJQdWJsaXNoZXIy Mzk2NjU=