TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 79.º Volume \ 2010

322 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL não pode, na determinação da pena a aplicar ao caso que lhe é submetido, atender ao grau de culpa do agente – é dizer: à intensidade do dolo ou da negligência. A previsão pela lei de uma pena fixa também não permite que o juiz, na determinação concreta da medida da pena, leve em consideração o grau de ilicitude do facto, o modo de execução do mesmo e a gravidade das suas consequências, nem tão-pouco o grau de violação dos deveres impostos ao agente, nem as circunstâncias do caso que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor ou contra ele. Ora isto pode ter como consequência que o juiz se veja forçado a tratar de modo igual situações que só apar- entemente são iguais, por, essencialmente, acabarem por ser muito diferentes. (…) A lei que prevê uma pena fixa pode também conduzir a que o juiz se veja forçado a aplicar uma pena exces- siva para a gravidade da infracção, assim deixando de observar o princípio da proporcionalidade, que exige que a gravidade das sanções criminais seja proporcionada à gravidade das infracções. Por isso, a norma legal que preveja uma pena fixa viola o princípio da culpa, que enforma o direito penal, e o princípio da igualdade, que o juiz há-de observar na determinação da medida da pena. E pode violar também o princípio da proporcionalidade.» Mas o Tribunal também tem vincado, com clareza, que as razões contrárias à admissibilidade da comi- nação de penas fixas para ilícitos de natureza criminal «não são transponíveis, sem mais, para a apreciação da conformidade constitucional das penas pecuniárias fixas estabelecidas nos restantes espaços sancionatórios» (Acórdão n.º 344/07). Desenvolvendo essa ideia, escreveu-se neste aresto, a propósito de uma multa fixa, em caso de utilização de transporte colectivo de passageiros sem título válido: «Deste modo, não pondo em dúvida que os princípios da proporcionalidade e da igualdade e mesmo o princípio da culpa também vinculem o legislador na configuração dos ilícitos contravencionais (como nos de contra-orde- nação) e respectivas sanções (…) é diferente o limite que deles decorre para a discricionariedade legislativa na definição do que o legislador pode assumir e o que deve ser deixado ao juiz na determinação concreta da situação. Designadamente, não ocorre aqui colisão com nenhum dos preceitos constitucionais em que se funda a viola- ção do princípio da culpa, que é o nuclear na fundamentação da referida jurisprudência do Tribunal a propósito da ilegitimidade constitucional de penas criminais fixas. Na verdade, não está em causa minimamente o direito à liberdade (artigo 27.º, n.º 1) porque a multa contravencional, diversamente da multa criminal, não tem prisão sucedânea. E só de modo muito remoto – e nunca por causa da sua invariabilidade – uma sanção estritamente pecuniária, num ilícito sem qualquer efeito jurídico estigmatizante, pode contender com o princípio da dignidade da pessoa humana (artigo 1.º), que é de onde o Tribunal tem deduzido o princípio da culpa na “Constituição criminal”. (…) Assim entendido, o princípio da culpa pode ser pressuposto da imposição da sanção (fundamento), mas não é um factor constitucionalmente necessário da sua medida concreta (limite individual), não significando a cominação de uma multa contravencional fixa, por si só, a violação dos artigos 1.º e 27.º, n.º 1, da Constituição». Este juízo, firmado a propósito de uma contravenção punida com multa, foi expressamente estendido às contra-ordenações punidas com coima, “porque estas sanções significam exactamente o mesmo na esfera jurídica do respectivo destinatário: apenas e só sacrifício patrimonial”. Pode concluir-se deste juízo, tomado em Plenário, que o Tribunal, não rejeitando a vigência, no domínio contra-ordenacional, dos princípios da culpa, da igualdade e da proporcionalidade, admitiu uma diferente gradação da sua força impositiva, nessa área sancionatória. No caso concreto, o Tribunal pronunciou-se pela não inconstitucionalidade da cominação da multa fixa em apreciação. Mas, nessa decisão, pesaram decisivamente três factores especificamente caracterizadores da medida sancionatória em causa.

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