TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 79.º Volume \ 2010
321 acórdão n.º 481/10 Deste ponto de vista, do ponto de vista do objecto da responsabilidade dos administradores, é indis- cutível que eles respondem por uma dívida alheia, uma dívida de responsabilidade cujo montante é fixado com total independência do pressuposto subjectivo que levou à identificação da pessoa do responsável subsi diário. Evidencia-se aqui, em pleno, a função garantística que a responsabilidade dos administradores prima- cialmente desempenha. Ainda que a responsabilidade não dispense o estabelecimento de uma conexão causal com um comportamento censurável dos responsáveis, uma vez satisfeito este requisito, estes vão responder como responderia o devedor da coima, e não em função da sua própria conduta. Posto que dependente, no seu surgimento, de um facto próprio, a responsabilidade dos administradores acaba, assim, por se configurar como uma responsabilidade por uma dívida de outrem: o que a Administração Tributária podia exigir da pessoa colectiva, por uma infracção a ela imputável, passa a poder exigi-lo dos administradores. Estes sujeitos só não intervêm como puros garantes justamente porque a responsabilidade destes últimos constitui-se à margem de qualquer avaliação do seu contributo pessoal para a insatisfação do crédito. Sendo contrário à situação assegurada, esse resultado basta para que seja accionada a responsabilidade do garante. Não é esse, como desenvolvidamente vimos, o figurino da solução aqui em juízo. A exigência de culpa própria, como condição da responsabilidade, permite sustentar que esta visa também finalidades repressivas e preventivas, conjugando-se a função de garantia com a função sancionatória – no sentido da combinação de ambas as funções, quanto à solução paralela constante do artigo 24.º, n.º 3, da LGT, cfr. Jónatas Machado/ Vera Raposo, “A responsabilidade subsidiária dos TOC’S (Algumas considerações constitucionais a propósi- to do artigo 24.º/3 da LGT”, in Fiscalidade , 2007, pp. 5 e segs.). Simplesmente, nesse mix legal, é a primeira que acaba por prevalecer, tendo em conta que a culpa do responsável releva apenas para o se da responsabilidade, mas não para o quantum do seu objecto. Ao não fazer decorrer quaisquer consequências, no plano da fixação da coima ou multa aplicável, do juízo concreto quanto à censurabilidade da conduta do responsável, designadamente quanto ao seu grau de culpa, a solução afasta-se, na verdade, da que resultaria de um puro critério sancionatório, para atender apenas à intenção de satisfazer o montante integral do crédito correspondente à coima. Poderá, porventura, dizer-se, neste sen- tido, que a função repressiva é instrumentalizada (e subordinada) a fins de garantia. 16. Em face do exposto, a questão de constitucionalidade que nos ocupa pode ser formulada, em último termo, como sendo a de decidir da admissibilidade constitucional de um regime sancionatório em que a me- dida da coima não depende da avaliação, em concreto, do grau de culpa do responsável e das circunstâncias específicas que rodearam a sua actuação. Assim posta, a questão apresenta fortes atinências, quanto à valoração que suscita, com a da admissibili- dade de sanções fixas, uma vez que, tal como nestas, deparamos com a insusceptibilidade de individualização, pelo julgador, da sanção a aplicar ao revertido. O tema tem sido objecto de numerosas pronúncias deste Tribunal, justificando-se dedicar alguma aten- ção reflexiva à linha de orientação que tem prevalecido. Em matéria criminal, tem sido constante e reiterado um juízo de proibição constitucional de penas fixas, em resultado da aplicação dos princípios da culpa, da igualdade e da proporcionalidade (cfr. os Acórdãos n. os 202/00, 203/00, 95/01, 70/02, 485/02 e 124/04). Pode ler-se, por exemplo, neste último aresto: «(…) O princípio da culpa, enquanto princípio conformador do direito penal de um Estado de direito, proíbe – já se disse – que se aplique pena sem culpa e, bem assim, que a medida da pena ultrapasse a da culpa. (…) Pois bem: um direito penal de culpa não é compatível com a existência de penas fixas: de facto, sendo a culpa não apenas princípio fundante da pena, mas também o seu limite, é em função dela (e, obviamente também, das exigências de prevenção) que, em cada caso, se há-de encontrar a medida concreta da pena, situada entre o mínimo e o máximo previsto na lei para aquele tipo de comportamento. Ora, prevendo a lei uma pena fixa, o juiz
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