TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 79.º Volume \ 2010

32 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL tratamento mais favorável, no contexto de um determinado modelo de Estado (o Estado social), das tarefas que lhe correspondem e dos direitos económico-sociais dos trabalhadores não é suficiente. Esta posição tem de se inserir num contexto mais vasto. Não se trata aqui de compreender genericamente que os regimes jurídico-laborais de protecção favorável aos trabalhadores ( favor laboratoris ) podem porventura estar em confronto directo com a competitividade dos mercados e com a estabilidade e crescimento das economias, num contexto globalizado em que actuam outras economias e mercados emergentes (veja-se Consuelo Ferreiro, “La crisis del principio favor laborato­ ris”, in Questões laborais , n.º 31, 2008, pp. 35 e segs.). Está, sim, em causa a inserção do princípio no contexto normativo da Constituição da República Portuguesa. Na verdade, e desde logo, os direitos e garantias dos trabalhadores individualmente considerados que a Constituição protege devem conciliar-se com outros direitos ou interesses constitucionalmente relevantes. Deve, desde logo, ter-se em consideração a livre iniciativa económica privada (artigo 61.º, da Consti ­ tuição) que é, na sua essência, “iniciativa económico-produtiva de carácter empresarial”, envolvendo “uma dupla faceta – organizativa e operacional” [Evaristo Mendes, Anotação ao artigo 61.º, Constituição Portu­ guesa Anotada , Tomo I, 2.ª edição, Jorge Miranda e Rui Medeiros (orgs.), Coimbra, Coimbra Editora, 2010, pp. 1182-1183]. Trata-se, portanto, de uma liberdade de organização da empresa e da actividade empresarial. Finalmente, os direitos individuais dos trabalhadores não poderão ser isolados dos direitos colectivos desses mesmos trabalhadores, incluindo-se aqui o direito à contratação colectiva (artigo 56.º, n. os 3 e 4) pois também eles fazem parte do regime global de protecção do trabalhador que a Constituição institui. É pois necessário ter em consideração o teor do artigo 56.º, n.º 4, da Constituição, que consagra o direito à contratação colectiva. De facto, a Constituição atribui à lei, nos termos do artigo 56.º, n.º 4, a competência para estabelecer as regras respeitantes à eficácia das normas das convenções colectivas de traba­ lho (literalmente diz: “A lei estabelece as regras respeitantes à legitimidade para a celebração das convenções colectivas de trabalho, bem como à eficácia das respectivas normas”). É evidente que não se trata de colocar poderes ilimitados nas mãos do legislador. Mas atendendo a que na regulamentação colectiva, que é por definição de exercício colectivo, os interesses dos trabalhadores individuais parecem já devidamente acau- telados, admite-se que, dentro das margens dos direitos dos trabalhadores constitucionalmente traçadas, o legislador possa admitir a derrogação de algumas das suas normas, num sentido mais ou menos favorável em relação ao que cada uma dessas normas estabelece (o que não significa necessariamente que, no seu conjunto, a convenção colectiva seja menos favorável aos trabalhadores). Por outro lado, o direito à contratação colectiva e a autonomia colectiva têm de ser vistos como instru- mentos ao serviço dos diversos direitos dos trabalhadores e não como um obstáculo desses direitos. De resto, é necessário fazer uma distinção entre autonomia colectiva e autonomia individual. Com- preende-se mais facilmente a imperatividade em face de um contrato individual de trabalho onde o traba­ lhador aparece, por definição, como a parte mais fraca do que em face de instrumentos de regulamentação colectiva negociados por associações sindicais no seio das quais os trabalhadores aparecem numa relação distinta da subordinação que caracteriza a sua posição em face das entidades patronais. Como se diz no Livro Branco que apoiou a preparação da versão do Código do Trabalho de 2009: «(...)o argumento da igualdade de poderes negociais é, em larga medida válido, até porque as associações de empregadores enfermam de fraquezas semelhantes às das associações sindicais. Sendo assim, o alargamento da negociabilidade mostrar-se-ia vantajoso para a dinâmica da contratação colectiva sem representar necessariamente risco para os trabalhadores». As convenções colectivas permitem uma regulamentação mais adequada às necessidades específicas de cada sector de actividade ou empresa do que a lei geral. É por isso que tendem a ter maior importância. Monteiro Fernandes ( Direito do Trabalho , cit., pp. 691 e seguintes) fala até de uma sequência esquemática – “autonomia individual, heteronomia, autonomia colectiva” que corresponderia à linha evolutiva do Direito

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