TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 79.º Volume \ 2010

318 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL 12. O fenómeno da responsabilidade civil conexa à criminal, de verificação corrente, não infirma, antes confirma, o que acaba de ser dito. Na verdade, essa situação distingue-se bem da aqui em análise. A responsabilidade civil conexa à criminal configura-se como uma cumulação de responsabilidades, derivada da circunstância de o mesmo facto lesar um bem jurídico-criminalmente tutelado e um bem pro- tegido pelas normas de imputação da responsabilidade civil. Sendo assim, só pela activação simultânea de ambas as responsabilidades se satisfazem os valores e os interesses que fundam cada uma delas. Na responsabilidade, dita civil, que recai sobre os administradores e gerentes por lhes ser imputável uma situação de insuficiência patrimonial da pessoa colectiva, causadora do não pagamento de uma coima em que esta fora condenada, o mecanismo da responsabilidade surge, inicialmente, pela lesão de um único bem, que desencadeia a aplicação da coima, no quadro da responsabilidade contra-ordenacional. Em caso de pagamento da coima, nesta se esgota a reacção à infracção cometida, com satisfação plena das razões que a justificam. É em face do incumprimento daquele dever e da constatação da inviabilidade da sua execução forçada que a Administração, ainda que lançando mão de uma imputação distinta da que servira de base à responsabilização da pessoa colectiva, vincula os administradores a um débito de responsabilidade, tendo por objecto o valor patrimonial da coima não paga. Isto é, a responsabilidade, ainda que qualificada como civil, não nasce autonomamente, à partida, pela verificação simultânea dos seus pressupostos conjuntamente como os da responsabilidade contra-ordenacio- nal. Está umbilicalmente ligada a esta, só surgindo sequencialmente, a título subsidiário, em razão da impos- sibilidade de satisfação, pelo património do devedor originário, da coima em que a responsabilidade contra- -ordenacional se traduz. Não é em consequência do mesmo facto primário de responsabilização, de projecção lesiva bifrontal, tanto no plano da responsabilidade contra-ordenacional, como no da responsabilidade civil, que esta nasce. É antes a impossibilidade de efectivação da responsabilidade que recai sobre a pessoa colectiva que leva a recorrer, para garantir a produção de um mesmo resultado patrimonial, à responsabilidade civil, posta a cargo de um outro sujeito, chamado a responder em função da sua actuação sobre o património do devedor da coima. É justamente esta colocação da responsabilidade na dependência da falência do processo executivo do pagamento da coima (processo onde se constata a insuficiência do património das pessoas colectivas) que distancia o regime do artigo 7.º-A do RJIFNA do figurino da responsabilidade civil conexa com a criminal. Não estamos perante duas responsabilidades que correm em paralelo, conexionadas apenas pela identidade do facto responsabilizador e do sujeito responsável. Estamos perante a imputação de responsabilidade a uma certa categoria de sujeitos para suprir a inoperatividade prática da responsabilidade contra-ordenacional que recaía sobre a pessoa colectiva em falta. 13. Essa ligação genética comprova, em nosso juízo, que, com a imputação de responsabilidade aos admi- nistradores, não há qualquer desvio dos fins da relação que funda a execução: a relação de crédito emergente da aplicação de multas ou coimas pela prática de uma infracção contra-ordenacional. O que resulta da norma desaplicada, em correspondência com o seu teor literal, é a imposição aos administradores de uma posição de responsabilidade nas relações de crédito nascidas pela prática de uma infracção contra-ordenacional e tendo por objecto as multas ou coimas respectivas, não o surgimento de uma outra relação, dotada de natureza, objecto e fins próprios. com aqueles sujeitos por sujeitos passivos. É a satisfação das finalidades repressivas e preventivas dessas sanções que continua a estar na mira do legislador – “carácter marcadamente sancionatório” atribui Sal- danha Sanches à responsabilidade tributária subsidiária, prevista no lugar paralelo do artigo 24.º da Lei Geral Tributária (LGT)( Manual de direito fiscal , 3.ª edição, Coimbra, 2007, p. 270). A responsabilização dos admi- nistradores e gerentes funciona ainda na órbita funcional da relação contra-ordenacional, como garantia suple- mentar de cumprimento dos deveres que, nesta, impendiam sobre a pessoa colectiva, perante a Administração. A alteridade de sujeitos não obsta a este entendimento, dada a relação de representação orgânica que une as pessoas físicas responsabilizadas e a pessoa colectiva vinculada àqueles deveres. Em face desta,

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