TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 79.º Volume \ 2010
317 acórdão n.º 481/10 E o regime processual correspondente a esta figura reforça a nota de que estamos perante uma efectivação da responsabilidade indissociavelmente ligada ao dever de pagar a coima. Não se exige a formação de novo títu lo executivo, com base no vínculo que estrutura uma outra relação, autónoma em face da relação tributária de que emergiu aquele dever. É o mesmo título, aquele de que consta a obrigação (incumprida) de pagar a coima, que continua a ser processado, fundando a agressão do património dos administradores. A causação, a estes imputável, da insuficiência patrimonial da pessoa colectiva é apenas uma condição (no sentido preciso de facto sem o qual um determinado efeito se não produz) adicionalmente requerida para que tenha lugar a assunção, pelos administradores, da responsabilidade que não foi possível efectivar contra a pessoa colectiva. 11. Acresce que, a admitir-se que a mudança dos sujeitos responsáveis vem acompanhada por uma mudança da natureza da responsabilidade, então também é forçoso admitir que não são atingidos os fins que justificam a imposição da coima. De facto, e ainda que similares quanto à estrutura e objecto, os dois víncu- los divergem, nesta óptica, quanto à função, não podendo, por falta de homologia funcional, a responsabi- lidade dos administradores substituir-se à da pessoa colectiva, “fazer as vezes” desta, como um mecanismo subrogatório da que se traduz, a título sancionatório, no pagamento da coima. Responsabilidade contra-ordenacional e responsabilidade civil não são sobreponíveis, preenchem distin- tos espaços de imputação de condutas lesivas de valores juridicamente tutelados, resultam de ilícitos de natu reza distinta, pelo que a responsabilidade civil não pode ser actuada subsidiariamente, em consequência da frustração da responsabilidade contra-ordenacional, para satisfazer, por via indirecta, os fins próprios desta. Na responsabilidade contra-ordenacional, a vinculação ao pagamento de uma importância monetária, a título de coima, tem carácter instrumental da realização de fins de outra natureza, de reafirmação da ordem de condutas desrespeitada, de sanção ao agente por se ter desviado dos deveres decorrentes do exercício de determinada actividade social e de dissuasão de práticas futuras contra-ordenacionais. A sua função é pura- mente sancionatória e preventiva. Já a responsabilidade civil visa a reposição de um equilíbrio patrimonial afectado por um facto danoso. Através da efectivação do crédito indemnizatório, ingressa na esfera do lesado, à custa do lesante, um valor correspondente à perda ou frustração de ganho, assim se eliminando o dano sofrido. A transferência patrimo- nial, em si mesma, satisfaz a finalidade primária da responsabilidade civil: a reparação de um dano. Dados os distintos fundamentos e fins dos dois sistemas de responsabilidade, é problemático ver no não pagamento da coima um prejuízo patrimonial configurável como um dano de natureza civil, indemnizável ao abrigo da correspondente responsabilidade. Se o fim da coima não era a obtenção de uma receita (mas a imposição de um sacrifício económico, com fins repressivos e preventivos), dificilmente se pode considerar que o não pagamento (ainda que associado a outros factores) gera um dano enquadrável, como um dos seus pressupostos, na responsabilidade civil. Contra essa visão patrimonialista da responsabilidade contra-ordenacional se pronunciou João Matos Viana [“A inconstitucionalidade da responsabilidade subsidiária dos administradores e gerentes pelas coima aplicadas à sociedade. Comentário ao Acórdão do STA, de 4 de Fevereiro (processo n.º 0829/08) e ao Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 129/2009, de 12 de Março”, in Finanças Públicas e Direito Fiscal , ano II (2009), pp. 199 e segs., p. 206], em termos que, a nosso ver, não merecem contestação: «Ainda que o produto da coima, actualmente, possa assumir uma importância relevante nos orçamentos das autoridades administrativas (o que é legítimo e tem cobertura legal), a “coima”, enquanto figura jurídico-sancio- natória (enquanto figura repressiva), com finalidades de advertência social, legitimada pela censura de uma culpa funcional, deve estar desligada da lógica economicista da mera garantia de obtenção de receita». Em suma: não pode haver responsabilidade civil onde não estejam presentes todos os pressupostos que lhe dão nascença, designadamente o dano, cuja reparação constitui a razão de ser e a finalidade primária da figura. Não satisfaz esse requisito, em nosso juízo, e não obstante a qualificação legal, o regime aqui presente.
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