TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 79.º Volume \ 2010
316 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL das pessoas colectivas na revisão do Código Penal”, in Direito penal económico e europeu: textos doutrinários , III, Coimbra, 2009, pp. 461 e segs., p. 469). Na realidade dos efeitos prático-jurídicos, o Estado vai conseguir, por via indirecta, através do patri mónio de sujeitos não vinculados pela obrigação que, em termos sancionatórios, a coima consubstancia, a cobrança do débito correspondente. Chamando à colação o incumprimento de deveres funcionais perante um outro credor (a pessoa colectiva), a Administração Tributária, apoiando-se numa justificação de cau- salidade indirecta ou consequencial, para imputação de responsabilidade a um sujeito alheio à relação que dera origem à coima, vai obter o mesmo que obteria no caso de a prestação desta ser cumprida pela pessoa colectiva vinculada ao seu pagamento ou coercitivamente obtida à custa do seu património. “Forçando” a relatividade estrutural das relações de crédito, a Administração credora vai buscar ao modo como se desenro- lou uma outra relação de que não é parte a justificação causal para a satisfação do seu crédito por um terceiro, parte passiva nessa outra relação. Dever de prestar e dever de indemnizar confundem-se aqui, tanto mais que estamos perante uma obri gação pecuniária, susceptível, por natureza, de execução específica. Através do chamamento à responsabi- lidade dos administradores, o Estado faz valer a coercibilidade do direito insatisfeito à prestação da coima, removendo, desse modo, o facto antijurídico que o seu incumprimento representa e realizando, em pleno e em espécie, o seu interesse creditório. 10. Em face deste resultado, está naturalmente criada uma forte aparência de um fenómeno de trans- missibilidade da responsabilidade pelo pagamento da coima. Por detrás do “biombo” da responsabilidade dos administradores pela insuficiência do património da pessoa colectiva, estaria a assunção, por aqueles, da posição de responsabilidade que a esta cabia, na relação com a Administração. E convém frisar que a formulação do enunciado da norma em análise não rejeita, antes permite susten- tar esta construção. Na verdade, o que nele se diz é que os administradores e equiparados “são subsidiaria mente responsáveis […] nas relações de crédito emergentes da aplicação de multas ou coimas […]”. Isto é, em caso de insuficiência do património das pessoas colectivas, por eles culposamente causada, os administra- dores passam a figurar como sujeitos passivos nas relações de crédito que têm as multas e coimas por objecto, com a responsabilidade inerente. O texto do artigo 8.º do RGIT, que sucedeu à norma em análise, sugere igualmente esta leitura do alcance da responsabilização que se faz recair sobre administradores e gerentes. Quer na epígrafe, quer em várias das suas normas, o que se estabelece é directamente a responsabilidade civil por multas ou coimas, sem a mediação de qualquer outro débito, de outra natureza e objecto. E a colocação da obrigação no plano da responsabilidade não introduz qualquer quebra de nexo com o dever de pagar a coima, tendo por efeito a pretendida deslocação do regime para um terreno puramente civilístico de reparação de danos. Ela justifica-se apenas em atenção à fase de desenvolvimento da relação em que se situa o chamamento dos administradores. Já estamos num momento de exercício da acção creditória e de execução forçada, consequente à falta de cumprimento pelo devedor primitivo. Já se constatou que este não pagou, nem pode pagar, por insuficiência de meios. A posição debitória assumida pelos administradores configura-se então necessariamente como de responsabilidade − entenda-se, de responsabilidade patrimonial, a que cabe a qualquer devedor numa relação jurídica, traduzida na sujeitabilidade dos seus bens à execução. Nesta construção, é no quadro unitário da relação que nasce com a imposição da coima que se inscreve a responsabilidade dos administradores. Com o não cumprimento do dever de a pagar não surge uma nova relação creditória (como aconteceria se estivéssemos perante uma responsabilidade extracontratual), tendo os administradores por sujeitos passivos. O vínculo de responsabilidade acompanha e garante, em estado de latência, a obrigação de pagar a coima, desde o seu início. O incumprimento dessa obrigação apenas activa essa responsabilidade, dando título à execução do património do devedor (pessoa colectiva). A insuficiência do património deste, quando imputável aos administradores, legitima, por sua vez, o seu chamamento à responsabilidade, dando-se continuidade ao processo, através do mecanismo da reversão.
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