TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 79.º Volume \ 2010

315 acórdão n.º 481/10 A atribuição de natureza civilística à responsabilidade dos administradores abre as portas e justifica uma leitura do preceito no sentido de que não se tem em vista uma responsabilidade pelo cometimento, em si mesmo, da infracção tributária, mas antes uma responsabilidade pela causação culposa de uma situação de insuficiência do património das pessoas colectivas obrigadas ao pagamento da multa ou coima, situação a que é imputável a não satisfação do crédito emergente da aplicação dessas medidas punitivas. Os admi­ nistradores e equiparados são responsabilizados por facto próprio (como não pode deixar de ser, tratando-se de uma responsabilidade subjectiva), não coincidente com o facto gerador da sanção pecuniária, com esta conexionada apenas porque impossibilitante do pagamento da prestação a que, pela infracção cometida, a pessoa colectiva ficara vinculada. Estaríamos em face de duas relações, de fonte e natureza distintas: uma, tendo por sujeito passivo a pessoa colectiva e por objecto o dever de prestar a importância correspondente à coima, dever constituído em decorrência da violação de uma obrigação tributária; uma outra, consistente num vínculo de respon- sabilidade, activado em caso de incumprimento daquele dever, por força da insuficiência do património do devedor, culposamente causada pelo administrador responsável. À dualidade de sujeitos corresponderia uma dualidade de relações obrigacionais, sendo que uma se constitui como eventual sucedâneo da outra, pois o seu nascimento está condicionado à verificação, em processo executivo, da impossibilidade, imputável a uma conduta faltosa do administrador, de realização coerciva do débito que recai sobre a pessoa colectiva acoimada. A interposição do conceito de dano marca a linha de diferenciação entre as duas relações. A ele se chega por um percurso de causalidade em cadeia: o não pagamento da coima é devido a insuficiência do património e este é causado por actuação culposa do administrador. Sobre este recai então o dever de indem­ nizar as consequências danosas desta conduta, traduzidas na não percepção, pela Administração, da impor­ tância monetária devida a título de coima. A efectivação da responsabilidade dos administradores remove esse dano, na medida em que faz entrar nos cofres do Tesouro o que este auferiria com o cumprimento do dever de pagar a coima. Nesta visão dual, de diferenciação dos factos constitutivos e de títulos de chamamento à responsabili- dade dos dois sujeitos sucessivamente obrigados, não há lugar para a aceitação da ocorrência de um fenó- meno de transmissão, já que este pressupõe, no rigor dos termos, uma modificação subjectiva, uma sucessão na titularidade de um direito ou de uma obrigação, no âmbito de uma relação que não perde, por isso, a sua identidade. 9. A qualificação da responsabilidade dos administradores como civil permite, pois, resolver facilmente, em sentido negativo, a questão da ocorrência de um fenómeno de transmissão, na medida em que acentua e estabelece com nitidez máxima a diferenciação das situações debitórias da pessoa colectiva que cometeu a infracção e a dos administradores que podem ser chamados a responder: enquanto que a responsabilidade da pessoa colectiva é de cariz sancionatório, a dos administradores configura-se como puramente civilística, com função e natureza ressarcitórias. Mas esta construção interpretativa da solução estatuída no artigo 7.º-A do RJIFNA, à luz da qualificação constante da epígrafe, não é incontroversa, podendo legitimamente questionar-se a adequação dessa qualifi- cação à substância real do mecanismo de substituição debitória consagrado no corpo do preceito. Na verdade, a dissociação total entre responsabilidade pela violação do dever tributário e responsabili- dade pelo não pagamento do montante sancionatório correspondente parece algo artificial e de sentido pre- cário, desmembrando uma posição subjectiva que forma uma unidade conceptual e vital – Nuno Brandão, pronunciando-se sobre o lugar paralelo do artigo 11.º, n.º 9, do Código Penal (responsabilidade subsidiária dos administradores pelo pagamento de multas e indemnizações em que a pessoa colectiva for condenada), não poupa palavras críticas, considerando que «esta distinção não é aceitável e constitui uma autêntica burla de etiquetas, ao travestir de responsabilidade pelo cumprimento da sanção aquilo que na realidade é uma autêntica transmissão da responsabilidade penal, ainda que operada por via legal» (“O regime sancionatório

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