TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 79.º Volume \ 2010
31 acórdão n.º 338/10 de “oposição” da lei, o CT obsta ao “afastamento” das normas legais por fonte inferior, quando daquelas normas ‘resultar o contrário’, isto é, que não podem ser afastadas . São duas maneiras de dizer a mesma coisa. (…) No CT, o ponto de partida da operação interpretativa-qualificativa incidente sobre a norma legal (para se poder aplicar a fonte inferior de conteúdo diferente) já não é a presunção de que essa norma admite variação em sentido mais favorável ao trabalhador, mas a de que admite variação em qualquer dos sentidos. Tal presunção só é afastada se da norma legal resultar inequivocamente que nenhuma variação é legítima ou que só o será num dos sentidos possíveis (ou seja, usando as palavras da lei, “se dela resultar o contrário”). Tal é a “posição de princípio” adoptada pelo legislador de 2003 e mantida (como tal) na revisão de 2009 (artigo 3.º, n.º 1). No entanto, o Código revisto restringe fortemente o alcance dessa directiva geral. O artigo 3.º, n.º 3, supõe a prevalência do tratamento mais favorável, relativamente a um largo elenco de matérias, no qual se compreende tudo o que pode considerar-se es- sencial na construção do estatuto sócio-laboral derivado para o trabalhador do contrato de trabalho .» O Requerente contesta ainda, assim, a possibilidade de afastamento de normas legais por normas cons tantes de IRCT que possam ser de sentido menos favorável ao trabalhador. Coloca-se, então, a questão do estatuto constitucional do princípio do tratamento mais favorável do trabalhador. Resta saber se tal princípio possui força constitucional, impondo-se ao próprio legislador e se implicará a regra da imperatividade da lei, entendida como norma mínima, em face das convenções colectivas de tra- balho. Ainda na doutrina Jorge Leite (“Código do Trabalho – Algumas questões de (in)constitucionalidade”, in Questões Laborais , n.º 22, Ano X-2003, p. 274) considera que uma norma (como o artigo 3.º, n.º 1, do Código do Trabalho) que permita o afastamento da lei por IRCT é inconstitucional, concluindo: “Mal se compreenderia, aliás, como poderá o Estado desempenhar a incumbência constitucional de assegurar as condições de trabalho (n.º 2 do artigo 59.º) – de todas e não apenas das que enumera a título exemplifica- tivo, nas alíneas do número do citado artigo – se a lei que as estabelece permitir, ao mesmo tempo, o seu afastamento por convenção colectiva”. No mesmo sentido, Milena Rouxinol (“O princípio do tratamento mais favorável”, in Questões Laborais , n.º 28, Ano X-2006, pp. 174 e 175), depois de fazer coincidir o princípio do tratamento mais favorável com o princípio da norma mínima, afirma: “O princípio da norma mínima traduz-se assim numa apreensão da problematicidade concreta na esfera da normatividade jurídica. Com efeito, não se vê como pode lograr-se o desiderato de compensação da desigualdade fáctica e jurídica entre trabalhador e empregador se os mínimos legais puderem ser afastados “in pejus” por instrumentos hierarquicamente inferiores (…) Em Direito do Trabalho, a justiça repõe-se pela desigualdade, de modo que se as forças sindicais assentirem na redução dos mínimos legais de tutela do trabalhador, ainda que tal opção seja assumida em situação de equilíbrio nego- cial, resultará gorada a protecção que o legislador defere ao - ainda e sempre - contraente débil da relação laboral e frustrado o propósito de justiça material”. A questão não se pode, porém, limitar à existência, ou não, de um princípio do tratamento mais fa- vorável. Será sempre necessário saber qual é o seu exacto sentido e alcance constitucional. Implicará ele realmente um “princípio da norma mínima”, como pretende alguma doutrina? E exigirá um tal princípio, caso se aceite, uma regra de imperatividade da lei (e dos mínimos de protecção que ela contém) não apenas em face do contrato individual de trabalho, mas, também, em face dos instrumentos de regulamentação colectiva? Não há dúvida de que o conjunto dos direitos dos trabalhadores associados à ideia de democracia económica, social e cultural nos induzem a afirmar que a Constituição pretende dar um “tratamento favo rável”, uma especial protecção àquelas pessoas que trabalham num vínculo de subordinação, vivendo e alimentando-se a si e às suas famílias geralmente com base na retribuição resultante desse trabalho. É esta ideia que justifica a generalidade dos direitos e garantias dos trabalhadores e a uma tal ideia justificadora poderemos chamar princípio do tratamento mais favorável do trabalhador. Todavia, ainda que se admita um tal princípio do tratamento mais favorável, a sua validade constitucio- nal nunca nos exime da questão das suas condicionantes e limites. A pura e simples defesa do princípio do
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