TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 79.º Volume \ 2010

30 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL II – Fundamentação 5. Conflito entre fontes de regulação O requerente levanta a questão da constitucionalidade de todo o artigo 3.º do Código do Trabalho. Mas, na verdade, de forma imediata é antes de mais a constitucionalidade do n.º 1 que está em causa. O problema levantado radica no facto de o n.º 1 do artigo 3.º da actual versão do Código doTrabalho, per- mitir o afastamento da lei laboral por instrumento de regulamentação colectiva de trabalho [IRCT] (conven- ções colectivas de trabalho e instrumentos não negociais, como as portarias de extensão e as decisões arbitrais). O Requerente considera esta possibilidade inconstitucional e invoca os artigos 2.º, 9.º, alíneas b) e d) , 58.º, 59.º e 81.º, alíneas a) e b) , para defender que a Constituição garante “um estatuto laboral mínimo de protecção” que se traduziria no chamado princípio do tratamento mais favorável do trabalhador. Referindo-se expressamente ao problema do valor dos IRCT, Gomes Canotilho e Vital Moreira de- fendem a impossibilidade de a lei poder consentir o seu próprio afastamento por IRCT: “[as convenções colectivas de trabalho] têm obviamente eficácia infralegislativa, não podendo contrariar a lei imperativa; a lei não pode sequer consentir ela mesma a sua derrogação por convenção colectiva, por força do artigo 112.º, n.º [5], mas não está impedida de estabelecer regimes mínimos ou supletivos (Código do Trabalho, artigo [3.º])” ( Constituição da República Portuguesa Anotada , 4.ª edição, Coimbra, Coimbra Editora, 2007, p. 748). O preceito do n.º 1 do artigo 3.º do Código do Trabalho é idêntico ao n.º 1 do artigo 4.º da versão de 2003, o qual por sua vez viera pôr em crise o tradicional princípio do tratamento mais favorável do trabalha- dor que aparecia enunciado no artigo 13.º da antiga Lei do Contrato de Trabalho que dispunha: “As fontes superiores prevalecem sempre sobre as fontes inferiores, salvo na parte em que estas, sem oposição daquelas, estabeleçam tratamento mais favorável ao trabalhador”. Deve, no entanto, começar por se dizer que preceito do n.º 1 do artigo 3.º do Código do Trabalho aparece mitigado. Desde logo, o n.º 2 proíbe que a lei seja afastada por portaria de condições de trabalho [esta dis- posição surgiu na sequência da pronúncia do Tribunal Constitucional, em sede de fiscalização preventiva, no Acórdão n.º 306/03, publicado no Diário da República , I Série-A, de 18 de Julho de 2003, onde ficou decidido que as portarias de condições trabalho violam o artigo 112.º, n.º 6 (actual n.º 7), da Constituição pois “têm carácter normativo inovatório”, e “não se ligam a nenhum instrumento de regulamentação colec- tiva negocial anterior”]. Além disso, o n.º 3 – aditado em 2009, provavelmente na sequência da discussão que a questão susci- tou (veja-se Livro Branco da Relações Laborais, pp. 98 e 99) - elenca, em treze alíneas, uma série de matérias relativamente às quais os instrumentos de regulamentação colectiva só podem afastar a lei se dispuserem em sentido mais favorável ao trabalhador (mantendo, pois, a lei a lógica do princípio do tratamento mais favorável em determinadas matérias que se consideram nucleares). Relativamente a estas matérias a lei assegura um mínimo imperativo (garantido) aos trabalhadores, estando os IRCT absolutamente impedidos de regulamentar in pejus . Como explica Maria do Rosário Ramalho, Direito do Trabalho , Parte I, 2.ª edição, Coimbra, Almedina, 2009, p. 280, a respeito do princípio do tratamento mais favorável na actual versão do artigo 3.º do Código do Trabalho que data de 2009: “ Assim, no que se refere a esta matéria, o actual Código do Trabalho ficou a meio caminho entre a legislação tradicional nesta matéria (que tinha a exigência máxima quanto ao requisito da maior favorabilidade para o afastamento da lei pelas convenções colectivas de trabalho) e o Código do Trabalho de 2003, que perfilhava o entendimento oposto. Em suma, trata-se de uma solução de compromisso, uma vez que se mantém o princípio da supletividade geral das normas legais perante as convenções colectivas de trabalho, mas se atenua esse princípio com a exigência da maior favorabilidade em matérias mais significativas, do ponto de vista das garantias dos trabalhadores ”. Também Monteiro Fernandes, Direito do Trabalho , 14.ª edição, Coimbra, Almedina, 2009, pp. 125 e seguintes) sustenta que: «[N]ão está em causa o primado da lei imperativa. Tal como na LCT, em que se falava

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