TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 79.º Volume \ 2010
299 acórdão n.º 479/10 exames legais para detecção de estados de influenciado pelo álcool, para o tipo legal genérico do crime de desobediência inscrito no Código Penal, em substituição da anterior solução de tipificação específica dessa conduta como crime, não tendo autorizado, em parte alguma, a despenalização de qualquer destas recusas, designadamente a recusa à colheita da amostra de sangue para posterior exame de diagnóstico do estado de influenciado pelo álcool. A exigência de que a definição dos crimes e penas é da exclusiva competência da Assembleia da Repúbli- ca, salvo autorização ao Governo, constante do artigo 165.º, n.º 1, alínea b) , da CRP, não contempla apenas a criminalização de comportamentos, mas também a sua descriminalização, apenas sendo possível despe- nalizar uma determinada conduta até aí tipificada como crime, através da aprovação de lei parlamentar, ou lei governamental devidamente autorizada (vide, neste sentido, J. J. Gomes Canotilho/Vital Moreira, em “Constituição da República Portuguesa anotada”, vol. II, p. 328, da 4.ª edição, da Coimbra Editora) . Encontrando-se tipificada como crime a recusa à realização de qualquer exame para detecção de estados de influenciado pelo álcool, no artigo 12.º do Decreto-Lei n.º 124/90, de 14 de Abril, o qual havia sido precedido da necessária autorização legislativa, concedida pela Lei n.º 31/89, de 23 de Agosto, conclui-se que o legislador do Decreto-Lei n.º 2/98, de 3 de Janeiro, não tinha autorização do parlamento para proce der à despenalização da conduta de recusa de interveniente em acidente de viação à realização de colheita de amostra de sangue para posterior exame de diagnóstico do estado de influenciado pelo álcool. Daí que, optando-se pela interpretação do disposto no artigo 162.º, n.º 3, do Código da Estrada, na redacção do Decreto-Lei n.º 2/98, de 3 de Janeiro, no sentido de não ser criminalmente punida essa recusa, teríamos também que concluir que nos encontrávamos, mais uma vez, perante normação emitida sem au- torização do órgão legislativo competente, pelo que, tal como se considerou, relativamente ao Decreto-Lei n.º 265-A/2001, de 22 de Maio, a mesma não era idónea para avaliar do conteúdo inovatório das normas do Código da Estrada, na redacção do Decreto-Lei n.º 44/2005, sendo necessário recuar um pouco mais no percurso legislativo para apurar a última vontade do legislador competente, nesta matéria. Ora, como vimos, anteriormente à redacção do Código da Estrada, conferida pelo Decreto-Lei n.º 2/98, de 3 de Janeiro, a punição criminal dos actos de recusa à realização de exames dos intervenientes em acidente de viação estava prevista, como crime específico, no artigo 12.º do Decreto-Lei n.º 124/90, de 14 de Abril, não se mostrando afastada essa previsão pela regras que previam a colheita de sangue para detecção do estado de influenciado pelo álcool em estabelecimento hospitalar, quando não fosse possível realizar o exame através do método de ar expirado no local do acidente (artigo 8.º). Estando essa tipificação autorizada pelo legislador parlamentar [artigo 2.º, alínea a) , da Lei n.º 31/89, de 23 de Agosto], encontraríamos, finalmente, aqui expressa a última vontade emitida por um legislador devidamente credenciado, anteriormente à emissão do Decreto-Lei n.º 44/2005, de 23 de Fevereiro, caso se perfilhasse a interpretação de que a redacção do Código da Estrada introduzida pelo Decreto-Lei n.º 2/98, de 3 de Janeiro, não punia criminalmente a recusa à colheita de sangue para detecção do estado de influenciado pelo álcool por interveniente em acidente de viação. E essa vontade, quanto à admissibilidade da recusa à colheita de sangue, era coincidente com a solução contida nas normas sob análise, aprovadas pelo Decreto- -Lei n.º 44/2005, de 23 de Fevereiro, pelo que as mesmas não revelavam um cariz inovatório, relativamente à última pronúncia efectuada por legislador credenciado por autorização parlamentar. É certo que se regista uma alteração do tipo legal de crime onde se encontra previsto o sancionamento penal deste comportamen- to, mas essa alteração já advém da redacção introduzida pelo Decreto-Lei n.º 2/98, de 3 de Janeiro, o qual dispunha da necessária autorização parlamentar para esse efeito. Assim sendo, verifica-se que, independentemente da interpretação infraconstitucional que se prefira, relativamente à solução que resultou da redacção dos artigos 158.º, n.º 3, e 162.º, n.º 3, do Código da Estrada, introduzida pelo Decreto-Lei n.º 2/98, de 3 de Janeiro, a conclusão é precisamente a mesma – o conteúdo do disposto nos artigos 152.º, n.º 3, e 156.º, n.º 2, do Código da Estrada, não regista qualquer inovação relativamente à legislação anteriormente vigente, aprovada com a devida autorização do legislador parlamentar.
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