TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 79.º Volume \ 2010
287 acórdão n.º 478/10 responsabilidade, cabe ao legislador ordinário, que terá de ser a Assembleia da República ou o Governo se para tal autorizado (artigo 165.º, n.º 1, alínea c) , da Constituição). 7. Só assim se mostrará respeitado o princípio da legalidade (artigo 29.º da Constituição), sendo certo que nesta matéria o legislador goza de uma ampla liberdade de conformação. 8. Termos em que deve ser negado provimento ao recurso.» II — Fundamentação O recorrente pretende ver apreciada a constitucionalidade da interpretação do artigo 369.º, n. os 1 e 2, do Código Penal, no sentido de que o mesmo não abrange as decisões tomadas por funcionário competente, em sede de processo administrativo gracioso de apreciação de pressupostos para a concessão de apoio judiciário, sustentando que tal interpretação viola o disposto no n.º 1 do artigo 271.º da Constituição. Dispõe o artigo 369.º, n. os 1 e 2, do Código Penal: «Denegação de justiça e prevaricação 1 – O funcionário que, no âmbito de inquérito processual, processo jurisdicional, por contra-ordenação ou disciplinar, conscientemente e contra direito, promover ou não promover, conduzir, decidir ou não decidir, ou praticar acto no exercício de poderes decorrentes do cargo que exerce, é punido com pena de prisão até 2 anos ou com pena de multa até 120 dias. 2 – Se o facto for praticado com intenção de prejudicar ou beneficiar alguém, o funcionário é punido com pena de prisão até 5 anos (…)» No caso dos autos, o recorrente apresentou queixa-crime contra B., técnico superior do Instituto de Solidariedade e Segurança Social, sustentando que, em processos para a concessão do benefício do apoio judiciário que corriam termos naquele Instituto, aquele funcionário teria praticado actos passíveis de serem qualificados como crime de denegação de justiça e prevaricação. Foi entendimento das instâncias e, concretamente, da decisão recorrida, que dada a natureza dos pro- cessos no âmbito dos quais o funcionário teria agido (que não constituíam nem inquérito processual, nem processo jurisdicional, nem por contra-ordenação ou disciplinar), não se mostrava preenchido este elemento do tipo objectivo de crime previsto no artigo 369.º, n.º 1, do Código Penal. Entendeu-se, em síntese, que o pedido de apoio judiciário tramitado no Instituto de Solidariedade e Segurança Social é um procedimento administrativo gracioso (não contencioso), que o legislador não incluiu no âmbito de aplicação da referida norma (artigo 369.º do Código Penal). É também este o entendimento de A. Medina Seiça ( Comentário Conimbricence do Código Penal, Parte Especial, Tomo III, p. 610), que, a este respeito, afirma: «(…) Como se referiu, o delito pressupõe uma específica qualidade do agente: ser funcionário. Note-se, de toda a forma, que não basta o desempenho de essa genérica função nos termos definidos no art. 386. Importa, ainda, a função concreta assumida pelo agente, isto é, o exercício dos deveres do cargo tem de verificar-se no âmbito de um processo jurisdicional, contra-ordenacional ou disciplinar, tudo modalidades contenciosas de processo. Exclui-se, assim, e como aliás resulta expressamente dos trabalhos preparatórios, o processo administrativo gracioso (cfr. Actas 1993, p. 426)». Como é sabido, não cabe no âmbito do recurso de fiscalização concreta da constitucionalidade apreciar, do ponto de vista do direito ordinário aplicável, da correcção da interpretação normativa adoptada pelo acórdão recorrido. Ao Tribunal Constitucional cumpre apenas tomar como objecto deste recurso a norma tal como ela foi interpretada e aplicada, no caso, pelo Tribunal da Relação de Lisboa, no sentido de apreciar se a mesma viola o disposto no artigo 271.º, n.º 1, da Constituição, conforme sustenta o recorrente.
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