TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 79.º Volume \ 2010
286 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL O recorrente apresentou as seguintes alegações: «O presente recurso vem no seguimento da decisão do douto acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, que negou provimento ao recurso do aqui recorrente, com fundamento de que a norma do Art.º 369.º n. os 1 e 2 do Código Penal, não se aplica em sede de Processo Administrativo Gracioso, na apreciação de pressupostos para a concessão de apoio judiciário, aplicando-se tão-só em sede de Processos Jurisdicional, Disciplinar e Contra- -ordenacional. Ora, entende o aqui recorrente, que tal norma, com tal interpretação, viola o Art.º 271.º n.º 1 da Constituição da República Portuguesa. Com efeito, a letra do dito Art.º é bem clara: “Os funcionários públicos e agentes do Estado, são responsáveis criminalmente pelas acções ou omissões prati- cadas no exercício das suas funções e por causa desse exercício, de que resulte violação dos direitos ou interesses legalmente protegidos dos cidadãos”. Não se compreende, que se tal responsabilidade acontece em sede de Processos Jurisdicional, Disciplinar e Contra-ordenacional, porque não há-de também acontecer em processo Administrativo Gracioso, pois, também aqui há direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos a defender, nomeadamente in casu, o direito ao acesso ao direito e aos tribunais, em caso de insuficiência económica. Pois, a prevalecer tal entendimento, uma decisão intencionalmente dolosa de um funcionário público, como in casu aconteceu, impede o cidadão de defender os seus direitos e interesses no Tribunal, por infelizmente não possuir condições económicas para pagar custas processuais e honorários a advogado. Termos em que tendo alegado o aqui recorrente – assistente, a inconstitucionalidade da norma do Art.º 369º n. os 1 e 2 do Código Penal, na interpretação que lhe foi dada pelo Tribunal da Relação de Lisboa, deve o presente recurso, ser considerado procedente e consequentemente ser: A) Julgada inconstitucional a norma do Art.º 369.º n. os 1 e 2 do Código Penal, na interpretação segundo a qual, só se aplica em sede de Processos Jurisdicional, Disciplinar e Contra-ordenacional e não em sede de Processo Administrativo Gracioso, para averiguação dos pressupostos da insuficiência económica para efeito de acesso ao Direito e aos Tribunais, por violação do Art.º 271.º n.º 1 da Constituição de República Portuguesa. B) Em consequência, ser concedido provimento ao recurso e revogada a decisão recorrida, que deverá ser reformulada em conformidade com o juízo de inconstitucionalidade.» O Ministério Público apresentou contra-alegações em que concluiu do seguinte modo: «1. A Lei n.º 30-E/2000, de 20 de Dezembro, veio alterar radicalmente os mecanismos de apreciação da insu- ficiência económica que está na base do instituto do apoio judiciário, procedendo à respectiva “administratização” – entregando à Segurança Social a respectiva valoração. 2. Estamos, assim, perante um típico procedimento administrativo que culmina com uma decisão proferida por uma entidade administrativa. 3. O facto da decisão administrativa ser relevante para a possibilidade de intervenção num qualquer inquérito processual ou processo jurisdicional e estar em causa, em última análise, o direito fundamental de acesso ao direito e aos tribunais (artigo 20.º da Constituição), não afecta, minimamente, a natureza administrativa do procedimento. 4. Constitui elemento objectivo do crime de denegação da justiça previsto no artigo 369.º, n.º 1, do Código Penal, que o funcionário actue no âmbito de “inquérito processual, processo jurisdicional, por contra-ordenação ou disciplinar”. 5. A interpretação que considera não estar incluído em nenhum daqueles “processos” o procedimento com vista à concessão do benefício de apoio judiciário, não viola o artigo 271.º, n.º 1, da Constituição. 6. Na verdade, estabelecendo-se naquele preceito constitucional que os funcionários são criminalmente respon- sáveis pelas acções ou omissões praticadas no exercício de funções, definir a exacta forma como se concretiza essa
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