TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 79.º Volume \ 2010

285 acórdão n.º 478/10 perspectiva, o tipo de crime pretende garantir a supremacia do direito objectivo na sua aplicação pelos órgãos da administração da justiça, maxime judiciais. O ataque ao bem jurídico dá-se por dentro do aparelho estadual de administração da justiça e não por fora, sendo ele a resposta penal aos abusos da função judicial, ainda que o tipo abranja uma larga série de funcionários e não apenas os magistrados. Por outro lado, a intervenção tem de surgir sempre em modalidades contenciosas de processo e não em mo- dalidades graciosas. Terá ainda de se pensar que um inquérito não é necessariamente processual e que o apoio judiciário, sendo tendencialmente um inquérito (no sentido de uma averiguação), pode também não o ser, se o pe- dido for acompanhado dos elementos coadjuvantes de prova ou confirmativos de uma presunção de insuficiência económica. Seja como for, entendemos que o sentido histórico na génese da expressão em vigor se refere sobretudo aos inquéritos de natureza criminal, contraordenacional ou disciplinar e não aos inquéritos decorrentes da deter­ minação dos pressupostos de concessão, em fase prévia (jurisdicional) e administrativa junto do ISSS. Esta opção (de não inclusão no preceito, dos inquéritos do tipo dos aludidos, relativos aos pedidos de apoio judiciário ou dos existentes no âmbito do processo administrativo gracioso – onde também se podem encontrar situações averiguativas) foi afastada claramente pelo legislador. E, pelo contrário, o cabimento da hipótese incri­ minadora é manifesta violação da lei, dos princípios da legalidade e da tipicidade, v. g. se a inclusão pretendida pelo assistente fosse obtida por via de uma qualquer interpretação extensiva (não existe suficiente correspondência disso permissiva na letra da lei) e/ou analógica ou por integração de lacuna, consabidamente proibida – art.º 1.º n.º 1 e 3 do CP e art.º 29.º n.º 1 da CRP. Na tese do assistente, o apoio judiciário seria um inquérito processual para o efeito da tipificação penal pretendida já que seria prévio a uma acção judicial. Ora, se assim fosse, então todos os procedimentos administrativos com tramitação averiguativa seriam sempre inquéritos processuais, na medida em que se lhes seguisse uma fase contenciosa. Por outro lado, se à tramitação procedimental da concessão ou não de apoio judiciário lhe fosse dada a natureza jurisdicional (como já a teve em leis de assistência judiciária anteriores), não se perceberia a razão da opção do legislador para a sua “deslocação” institucional para a área de competência de uma entidade administrativa como é o caso do ISSS. Há que não confundir natureza “jurisdicional” com “impugnabilidade por via jurisdicional” uma vez que esta se situa exactamente no campo do contencioso, mas não confere ao elenco procedimental (administrativo) “im- pugnando”, a natureza judicial pretendida, já que o seu resultado se alcançou através de averiguação (não proces­ sual) por entidade com natureza não jurisdicional mas administrativa. Desta feita, o despacho recorrido mostra-se conforme à lei e exarado de acordo com a hermenêutica jurídica que se nos afigura mais correcta de acordo com a génese histórica do art.º 369.º do CP e com o alcance do bem jurídico ali protegido. Face a esta conclusão, fica prejudicada a análise da questão de saber arguido agiu ou não contra direito, pois fosse qual fosse a solução alcançada, ela não teria qualquer efeito penal relevante no caso concreto.» Recorreu então o assistente para o Tribunal Constitucional, nos seguintes termos: «O recurso é interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do Art.º 70.º da Lei n.º 28/82 de 15 de Novembro, na redacção dada pela Lei n.º 85/89 de 7 de Setembro e pela Lei n.º 13-A/98 de 26 de Fevereiro; Pretende-se ver apreciada a inconstitucionalidade da norma do Art.º 369.º n. os 1 e 2 do Código Penal, com a interpretação transparecente dos arestos recorridos, no sentido de que as decisões tomadas por funcionário com- petente, em sede de processo administrativo gracioso, de apreciação de pressupostos para a concessão de apoio judiciário, está excluída dos actos ou funcionalidades previstas na norma penal, aplicando-se tão só aos processos jurisdicional, disciplinar, e contra-ordenacional. Tal norma, e com essa interpretação, viola o Art.º 271.º n.º 1 da Constituição da República Portuguesa. (…).»

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