TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 79.º Volume \ 2010
284 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional: I — Relatório A. apresentou queixa-crime contra B., por factos que considerou integrarem o tipo legal de crime de denegação de justiça e de prevaricação, previsto e punido pelo artigo 369.º, n. os 1 e 2, do Código Penal, sustentando que este, enquanto técnico superior de 2.ª classe, em exercício de funções no Núcleo de Apoio Judiciário, cometeu várias ilegalidades em processos referentes a pedidos de apoio judiciário apresentados pelo queixoso, querendo, com isso, impedir o acesso de cidadão economicamente carenciado aos tribunais e prejudicá-lo intencionalmente. Findo o inquérito, que correu termos na 7.ª Secção do Departamento de Investigação e Acção Penal de Lisboa, com o n.º 9184/04.8TDLSB, o Ministério Público proferiu despacho de arquivamento, nos termos do artigo 277.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, por ter concluído pela inexistência de crime. A., na qualidade de assistente, requereu então a abertura de instrução, peticionando a pronúncia do ar- guido pela prática de seis crimes de denegação de justiça e prevaricação, previsto e punido pelo artigo 369.º do Código Penal. Remetidos os autos ao Tribunal de Instrução Criminal de Lisboa e finda a instrução, foi proferida de- cisão instrutória, em 6 de Maio 2009, a qual não pronunciou o arguido. Desta decisão, recorreu o assistente para o Tribunal da Relação de Lisboa que, por acórdão de 9 de Março de 2010, negou provimento ao recurso, com a seguinte fundamentação, na parte que ora releva: «2.2 – Estão em apreciação e, em síntese, as seguintes questões: 2.2.1 – A actuação do arguido não foi efectuada no âmbito de inquérito processual, tendo-o sido apenas em processo administrativo gracioso não abrangível no tipo penal do art.º 369.º do CP? 2.2.2. – Caso se considere que o foi em âmbito de inquérito processual, detectaram-se ou não suficientes indí- cios de que agiu contra direito na previsão típica daquela norma penal? 2.3 – A posição deste Tribunal 2.3.1 – Desde logo, a primeira questão, se a sua solução for negativa, prejudicará inevitavelmente o conheci- mento da segunda. Por isso, é ela a problemática que deve ser conhecida desde logo. Cremos com certeza e sem dúvidas que a decisão foi acertada. O tipo legal do art.º 369.º do CP, na sua matriz e atendendo à sua génese e história, afasta, não preenche, a actuação de funcionário no âmbito de inquérito não processual, tenha ele lugar em qualquer sede. Mas não afasta o inquérito processual, pois, obviamente, ali o prevê. Será o pedido de apoio judiciário tramitado no ISSS um inquérito processual? Que é uma actuação procedi- mental administrativa graciosa tendente a uma determinação de um resultado (positivo ou negativo), não há dúvi- das em responder afirmativamente. E, como regra, a actuação procedimental pode ser sujeita a um contencioso, numa posterior fase, em caso de desacordo da decisão final por parte de algum dos interessados na relação jurídica administrativa. No caso do pedido de apoio judiciário, a dissensão tem vindo a ser decidida no âmbito de um tri- bunal, que na fase contenciosa daquela tramitação, decide pelo acerto ou desacerto do indeferimento. Ora, como bem o referiram á saciedade quer o decisor em 1.ª instância quer o M.º P.º e consta dos trabalhos preparatórios da Comissão revisora do CP, (...) “o legislador quis, inequivocamente, excluir do âmbito de aplicação da norma (art.º 369.º do CP) em análise o processo administrativo gracioso (não contencioso, portanto), intenção que, de resto, resulta claramente dos trabalhos preparatórios da Comissão Revisora do Código Penal de 1982, que vieram culminar na actual redacção do preceito incriminador, introduzida pelo DL. n.º 48/95 de 15/03. Tratando-se de um crime específico próprio (por agente dotado de qualidade funcional em sentido amplo) contra a realização da justiça (note-se que originalmente a redacção do preceito mencionava “inquérito criminal”) é aqui que o bem jurídico se situa especificamente, de acordo com a doutrina dominante, sendo pacífico que, nessa
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