TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 79.º Volume \ 2010
27 acórdão n.º 338/10 Esta norma permite exactamente o que o artigo 53.º da Constituição visa proibir: que o trabalhador seja efec- tivamente despedido apesar da ilicitude do despedimento. E fá-lo em relação à generalidade dos trabalhadores, pois que se encontram maioritariamente empregados em microempresas. Mantêm-se válidos os argumentos aduzidos no Acórdão n.º 107/88, que declarou a inconstitucionalidade do artigo 2.º, alínea d), do Decreto da Assembleia da República n.º 81/V 2, que permitia a substituição da rein- tegração do trabalhador por indemnização. Este regime de não reintegração é ainda mais preocupante quando ligado à supressão da fase da instrução do procedimento disciplinar, podendo o trabalhador ser imediatamente afastado da empresa e impedido, sem retorno, de recuperar o seu posto de trabalho quando ilicitamente despedido. Acresce que, na actual situação económica e social, a norma pode assumir um amplo domínio de aplicação que faz acrescer os motivos de preocupação. Na verdade, o tecido económico do país é composto essencialmente por pequenas unidades empresariais, sendo estas responsáveis pela maior parte do emprego. Foi, aliás, esse o entendimento expresso na declaração sufragada por vários Conselheiros, aquando do Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 306/03, os quais entenderam que o artigo 438.º, n. os 2, 3 e 4, do Código do Trabalho de 2003, ao admitir a não reintegração do trabalhador de microempresa ou que ocupe cargo de admi nistração ou direcção despedido sem justa causa, violava o direito à segurança no emprego, mesmo sabendo-se que competiria a um tribunal, e não ao empregador, apreciar se os fundamentos de não reintegração se veri- ficam ou não. De facto, entenderam os Conselheiros que da proibição constitucional dos despedimentos sem justa causa decorre o direito à reintegração, isto é, à reconstituição natural da situação existente no momento do despedimento ilícito. A norma que permite inviabilizar tal direito nem tem previsão constitucional nem assenta “numa ponderação de valores constitucionalmente fundada”. Veja-se, ainda, o que escreveu em declaração de voto, no mesmo Acórdão, o Conselheiro Mário Torres: «E também é significativo que o primeiro dos direitos, liberdades e garantias dos trabalhadores constitucional- mente consagrado seja o direito à segurança no emprego, com destaque para a garantia contra despedimentos sem justa causa: “trata-se de uma expressão directa do direito ao trabalho (artigo 58.º), o qual, em certo sentido, consubstancia um aspecto do próprio direito à vida dos trabalhadores” (Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada , 3.ª edição, Coimbra Editora, Coimbra, 1993, pp. 285 e 286). O carácter vital deste direito acentua a sua radical fundamentalidade: como se disse no Acórdão n.º 581/95, a proibição dos despedimentos sem justa causa é “a garantia da garantia”. (…) Se o acto que extingue o contrato vem, afinal, a revelar-se antijurídico, a única reacção adequada do ordenamento jurídico compatível com o sistema da estabilidade é a de privar aquele acto da sua consequência normal, determinando a sua invalidade e consequente subsistência do vínculo contratual. A «monetarização» do despedimento como alternativa à reintegração permitiria, afinal, à entidade empregadora aquilo que a CRP quer, manifestamente, proibir — «desembaraçar-se» do trabalhador apesar de não haver causa legítima de despedimento.”» A garantia constitucional da segurança no emprego significa, num certo sentido, como afirmam Gomes Cano- tilho e Vital Moreira, uma “alteração qualitativa do estatuto do titular da empresa” que, assim, “não goza de liberdade de disposição sobre as relações de trabalho” ( Constituição da República Portuguesa Anotada , 3.ª edição, Coimbra, 1993, p. 287). Na teleologia da norma do artigo 53.º da Constituição está pois a ideia de que a es- tabilidade do emprego envolve uma “resistência” aos desígnios do empregador, que ela não pode ser posta em causa por mero exercício da vontade deste. A delicadeza desta questão, apreciada no Acórdão n.º 306/03, que decidiu pela não inconstitucionalidade da norma, quedou reflectida no aresto, tendo a decisão dividido o Tribunal Constitucional numa votação que registou 7 votos favoráveis e 6 votos contra. A possibilidade de oposição à reintegração a pedido do empregador, a par do já referido carácter facultativo da instrução no processo disciplinar, demonstram que “o Código corrói a garantia constitucional da segurança no emprego, afectando dois dos seus pilares (o pilar procedimental e o pilar reintegratório) e implicando uma indiscutível perda de pujança do princípio da invalidade do despedimento contra legem .» (João Leal Amado, Temas Laborais , Coimbra, 2005, p. 130).
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