TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 79.º Volume \ 2010

25 acórdão n.º 338/10 no artigo 59.º, n.º 1, na alínea d) da Constituição. Este direito, por sua vez, liga-se ao direito à saúde (artigo 64.º), e deve conjugar-se não só com “o direito a constituir família e o direito à conciliação da vida profissional com a vida familiar e pessoal” [artigos 36.º e 59.º, alínea b) ], mas também, mais em geral, com a liberdade pessoal e o direito ao livre desenvolvimento da personalidade (artigo 26.º). E constitui um direito de natureza análoga aos direitos, liberdades e garantias, nos termos do artigo 17.º (Gomes Canotilho e Vital Moreira, Cons­ tituição da República Portuguesa Anotada, 4.ª edição, Coimbra, 2007, Volume 1, pp. 773 e 774). Além disso, cabe ao Estado garantir que, também em matéria de fixação do horário de trabalho, não haja lugar ao retrocesso social. – A adaptabilidade individual (artigo 205.º, n.º 4) não exige o acordo expresso do trabalhador, valendo o seu silêncio como aceitação. Ora é de ter em consideração que nas relações laborais não há igualdade, mas antes subordinação e que tal facto pode condicionar o silêncio do trabalhador, vendo-se obrigado a um regime horário contrário à sua vontade. Admita-se, ainda, como exemplo um trabalhador que toma conhecimento da proposta da entidade patronal no dia anterior ao seu período de férias ou que fica doente e impossibilitado de prestar trabalho – o facto de nada ter dito implicará, forçosamente, o seu consentimento! A protecção constitucional dada à limitação da jornada de trabalho impede que se equipare a acordo o consen- timento presumido do trabalhador. – A adaptabilidade grupal (artigo 206.º), inserida numa linha de debilitação do estatuto dos trabalhadores, esten­ de o regime de adaptabilidade colectiva aos trabalhadores não abrangidos pelo instrumento de regulamentação colectiva de trabalho que a institui, desde que esta se aplique a, pelo menos, 65% dos trabalhadores de uma equipa, secção ou unidade económica. Estende, também, o regime de adaptabilidade individual a todos os trabalhadores de uma estrutura considerada e que expressamente declararam não aceitar trabalhar no regime de adaptabilidade do tempo de trabalho, desde que aceite, ou pelo menos, que presumidamente aceite, por 75% dos trabalhadores dessa estrutura. Trata-se de uma adaptabilidade forçada, não resultante de acordo, colectivo ou individual, que é imposta por lei mesmo até contra a vontade manifestada pelos trabalhadores. Em matéria de flexibilidade do tempo de trabalho e de alteração de horários de trabalho, só o princípio da aceitação de cada trabalhador, sem imposições legais escudadas em decisões de maiorias, pode garantir a con- ciliação da actividade profissional com a vida pessoal e familiar, na medida em que só desta forma, os interesses e razões pessoais e familiares dos trabalhadores podem ser tidas em consideração. A norma impõe que a disponibilidade de uma maioria de trabalhadores para aceitar um regime de adaptabili- dade de tempo de trabalho se sobreponha às situações especificas de cada trabalhador individualmente consi- derado e que poderiam motivar a sua não aceitação, violando assim os seus direitos, nomeadamente o direito previsto no artigo 59.º, n.º 1, alínea b), da Constituição. – O banco de horas (artigo 208.º) incorpora um novo mecanismo de adaptabilidade do tempo de trabalho, a instituir por instrumento de regulamentação colectiva de trabalho, nos termos do qual o período normal de trabalho pode ser aumentado até quatro horas diárias, 60 mensais e 200 anuais, com formas de compensação igualmente reguladas em instrumento de regulamentação colectiva de trabalho. Trata-se de mais um mecanismo de flexibilidade de organização do tempo de trabalho, criado no exclusivo interesse dos empregadores, em relação ao qual não se suscita sequer a necessidade de aceitação por parte dos trabalhadores individualmente considerados. As previsões legais existentes de dispensa da prestação de trabalho, em regime de banco de horas, de vários gru- pos de trabalhadores, designadamente, trabalhadores menores, trabalhadoras grávidas puérperas ou lactantes, trabalhadores com deficiência ou doença crónica e dos trabalhadores-estudantes, sempre que o acréscimo de trabalho coincida com o horário escolar ou com prova de avaliação, podem, porém, em situações concreta- mente consideradas, não abranger a totalidade dos trabalhadores que detenham interesses ou razões pessoais e familiares, que devam ser tidos em consideração e que justifiquem também a sua dispensa, alcançada através da não aceitação desse regime por parte desses trabalhadores.

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