TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 79.º Volume \ 2010

248 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Em face deste dado, e perante a tese defendida na decisão recorrida de que as mesmas razões que esti- veram na origem do juízo de inconstitucionalidade emitido, no Acórdão n.º 23/06, sobre aquela primeira norma justificam idêntica decisão quanto ao prazo de caducidade da acção de impugnação de paternidade, cumpre reiterar a posição já anteriormente tomada, designadamente nos Acórdãos n. os 589/07 e 179/10, de que está vedada a transposição automática, de um para outro sector normativo, dos fundamentos da decisão, tendo em conta a não coincidência perfeita das coordenadas valorativas a ponderar e do grau da sua incidên- cia, em cada uma das situações. Não se nega, com a chamada de atenção para esta diferença específica, que ambas as soluções levantam uma questão de constitucionalidade a apreciar e a decidir no mesmo terreno normativo da eventual violação dos direitos à identidade pessoal e ao desenvolvimento da personalidade. Quanto ao primeiro, é hoje firme o entendimento de que o direito do filho ao apuramento da pater- nidade biológica é uma dimensão do direito fundamental à identidade pessoal, tendo esse parâmetro sido decisivo para fundamentar, nos Acórdãos acima referidos, a inconstitucionalidade dos n. os 1, 3 e 4 do artigo 1817.º do Código Civil. Mas deve admitir-se que o direito à identidade pessoal engloba também, na sua esfera de protecção, o interesse em não manter um vínculo não correspondente à verdade biológica. Ele não actua só em sentido positivo, como direito de cada um a conhecer e a ver juridicamente reconhecido aquilo que é , mas também em sentido negativo, como direito de cada indivíduo de excluir, como factor confor- mador da identidade própria, aquilo que não é. Nessa medida, o marido da mãe também pode invocar, em abono da sua pretensão negatória da paternidade, o direito à identidade pessoal – no sentido de que tanto o direito à identidade pessoal com o direito ao livre desenvolvimento da personalidade podem ser invocados para “impugnar os laços jurídicos que sejam contrários à verdade biológica”, cfr. Pereira Coelho/Guilherme de Oliveira, ibidem . Simplesmente, quando invocado para excluir a paternidade, este direito não se apresenta, por um lado, dotado de exactamente a mesma carga valorativa do que quando accionado pelo filho com vista à investiga- ção de paternidade e confronta-se, por outro, com valores e interesses contrários, para além dos invocados para legitimar a consagração de prazos de caducidade do direito de investigar. No que diz respeito ao primeiro aspecto, não sofre dúvida de que o conhecimento, por cada um, da sua ascendência é uma componente essencial do direito à identidade pessoal, na sua dimensão de direito à historicidade pessoal. A acção de reconhecimento judicial da paternidade visa a constituição de um vínculo sem o qual resulta nuclearmente afectado o conteúdo identitário da individualidade do investigante, por falta de um elemento basilar da sua conformação. Já com a acção de impugnação de paternidade pretende-se a destruição de um vínculo estabelecido, formado por presunção legal, assente num juízo de probabilidade. A preclusão, pelo decurso do prazo, do direito de intentar a acção não tem, neste caso, o mesmo significado para a esfera pessoal do interessado, a mesma projecção radicalmente empobrecedora da personalidade. Por isso, ainda que não seja constitucionalmente imposta uma diferenciação de tratamento jurídico, ela não é liminarmente rejeitada, do ponto de vista da tutela do direito à identidade pessoal, desde logo porque não é de atribuir idêntico peso, como factor de ponderação, a cada uma das dimensões da identidade. Assim se compreende que sistemas jurídicos que não estabelecem qualquer limite temporal para as acções de inves- tigação de paternidade, em tutela maximizada ao direito de identidade pessoal, quando em veste de direito ao conhecimento das origens, imponham, em contrapartida, prazos de caducidade do direito de impugnação. É também esta diferença de grau de intensidade valorativa que justifica o tratamento à parte que merece a previsão da alínea c) do n.º 1 do artigo 1842.º De facto, quando é o filho o interessado na impugnação, a acção representará o primeiro passo necessário para o estabelecimento, num segundo momento, de um vínculo de filiação correspondente à verdade biológica. Nesta situação, a impugnação da paternidade pre- sumida apresenta-se «[…] como um mecanismo essencial no iter processual que o impugnante-investigante tem de percorrer de forma a alcançar a definição e estabelecimento da verdade biológica da sua ascendência. Com efeito, existindo uma paternidade estabelecida e devidamente registada, a fixação de outra depende impreterivelmente do afastamento daquela.», como se escreveu no Acórdão n.º 609/07. A impugnação de

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