TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 79.º Volume \ 2010

246 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL É certo que a sentença apoia-se no decidido no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 7 de Julho de 2009, e neste expressamente se estabeleceu que «o prazo previsto no artigo 1842.º, n.º 1, alínea a) , do Código Civil, mesmo na actual redacção, na medida em que é limitador da possibilidade de impugnação, a todo o tempo, pelo presumido progenitor, da sua paternidade, é inconstitucional». Mas a invocação deste acórdão é feita a título puramente argumentativo, para reiterar a tese, nele defen- dida, de que, estando em causa, nas acções de impugnação de paternidade, o “direito fundamental à iden- tidade pessoal”, o “direito fundamental à integridade pessoal” e o “direito ao desenvolvimento da person- alidade”, tal como nas acções de investigação de paternidade, valem aqui as razões que estiveram na origem do julgamento de inconstitucionalidade, emitido pelo Acórdão n.º 23/06, sobre a norma do artigo 1817.º, n.º 1, do Código Civil. Dados os termos pouco esclarecedores, quanto a este ponto, da decisão recorrida, o controlo de consti- tucionalidade a efectuar, em recurso, por este Tribunal, não pode dispensar-se de apreciar a conformidade constitucional do prazo estabelecido no artigo 1842.º, n.º 1, alínea a) , do Código Civil, se se der por assente que a Constituição não se opõe à caducidade, em si, da acção de impugnação da paternidade. 7. Como é sabido, a matéria da determinação jurídica da filiação tem estado, nas últimas décadas, sob revisão, assumindo hoje o respeito pela verdade biológica um peso de ponderação muito superior ao que, no passado, lhe era atribuído. Esse acréscimo de valorização prescritiva foi fruto da acção conjugada de dois factores, de natureza diferenciada: por um lado, a possibilidade, que o avanço científico propiciou, da iden- tificação segura, não só negativa como positiva, do vínculo de sangue, através de prova pericial (retirando, assim, praticamente, todo o valor ao tradicional argumento do enfraquecimento das provas com o decurso do tempo); por outro, uma forte acentuação, na ordem jurídico-constitucional e na consciência colectiva, de valores da personalidade, entre os quais avultam os ancorados nos direitos à identidade pessoal e ao livre desenvolvimento da personalidade. Esta «alteração dos dados do problema, constitucionalmente relevantes (…) não deixa incólume o equilíbrio de interesses e direitos, constitucionalmente protegidos, alcançado há décadas, e sancionado tam- bém pela jurisprudência, empurrando-o claramente em favor do direito de conhecer a paternidade . », como justamente se reconheceu no Acórdão n.º 486/04. Esta linha evolutiva teve repercussões claras na jurisprudência deste Tribunal, quanto à apreciação dos prazos de caducidade para as acções de investigação de paternidade. De facto, contrariando sucessi- vas pronúncias no sentido de que eles não violavam qualquer parâmetro constitucional – cfr. os Acórdãos n. os 99/88, 413/89, 451/89, 311/95, 506/99 e 525/03 – o Acórdão n.º 456/03 julgou inconstitucional o artigo 1817.º, n.º 2, na medida em que estabelecia um prazo para o filho intentar a acção de investigação as- sente em factos puramente objectivos. Posteriormente, o Acórdão n.º 486/04 julgou inconstitucional o regi­ me geral do n.º 1 do artigo 1817.º do Código Civil. Este juízo foi confirmado, em Plenário, pelo Acórdão n.º 11/05. O Acórdão n.º 23/06 proferiu declaração de inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma constante do artigo 1817.º, n.º 1, do Código Civil, aplicável ex vi do artigo 1873.º, conquanto nela se estabelecia a extinção, por caducidade, do direito de investigar a paternidade em regra a partir dos 20 anos de idade do filho. Mais recentemente, os Acórdãos n. os 626/09 e 65/10 julgaram inconstitucionais a norma do n.º 3 do artigo 1817.º do Código Civil, o primeiro, e a do n.º 4 do mesmo artigo, o segundo, por se ter entendido que os prazos especiais nelas previstos – respectivamente, de seis meses posteriores à cognoscibilidade de escrito em que o pretenso pai reconheça a paternidade, e de um ano a contar da cessação do tratamento como filho – eram desproporcionadamente exíguos. Também no plano legislativo se processaram alterações significativas do regime, através da Lei n.º 14/2009, de 1 de Abril, com considerável alargamento de todos os prazos de propositura das acções de investigação (e de impugnação) de paternidade.

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