TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 79.º Volume \ 2010
245 acórdão n.º 446/10 em prazo. E então, das duas uma: ou se responde afirmativamente, e, nesse caso, chegar-se-á a uma decisão de fundo, que, em via de recurso ordinário, pode não ser coincidente com a agora recorrida, mas que só o será por razões que nada têm a ver com o objecto do presente recurso de constitucionalidade; ou, inversamente, dá-se o prazo legal como já extinto e, a ser assim, fica vedada a possibilidade de pronúncia quanto ao mérito da causa. É justamente ao abrir campo a esta última hipótese que o recurso de constitucionalidade é susceptível de se repercutir utilmente no processo, pois a decisão nele emitida pode levar a um desfecho de significado estruturalmente diferente do que cabe à decisão recorrida. É certo que o não conhecimento, tal como a im- procedência da acção por falta de provas, importa a preterição da pretensão do autor em ver judicialmente reconhecido que não é pai do filho que lhe é atribuído pela presunção marital. Mas, ainda assim, trata-se de decisões de natureza e alcance distintos, mesmo do ponto de vista dos interesses pessoais envolvidos. E, de qualquer forma, convém não esquecer que a vontade do legislador, claramente expressa por meio dos prazos de caducidade constantes da alínea a) do n.º 1 do artigo 1842.º do Código Civil, foi a de que, para além de certos limites temporais, o direito de impugnar a paternidade já não possa ser exercido pelo pai, o mesmo é dizer, já não possam ser tidas em consideração, ponderadas e debatidas em tribunal razões que alegadamente contrariam a presunção legal. Na hipótese a que nos estamos a referir, ao conhecer de fundo, e independentemente do sentido da decisão, o julgador está a desrespeitar essa vontade, impedindo um de- sejado efeito preclusivo com o único fundamento da sua desconformidade à Constituição. Cabe ao Tribunal Constitucional, chamado a decidir por recurso obrigatório do Ministério Público, pronunciar-se quanto a esse alegado vício da norma desaplicada. Improcede, assim, a invocada inutilidade do recurso. B) (In) constitucionalidade da norma do artigo 1842.º, n.º 1, alínea a ), do Código Civil 6. Constitui objecto do presente recurso a apreciação da constitucionalidade da norma do artigo 1842.º, n.º 1, alínea a ), do Código Civil, na redacção dada pela Lei n.º 14/2009, de 1 de Abril, que estabelece que a acção da impugnação da paternidade pode ser intentada pelo marido da mãe, no prazo de três anos contados desde que teve conhecimento de circunstâncias de que possa concluir-se a sua não paternidade. Como salienta o representante do Ministério Público, não é perfeitamente claro se é a fixação de um prazo, em si mesma, que a sentença recorrida questiona, ou se é o concreto regime do prazo estabelecido, designadamente, a sua duração de três anos, que é tido por desconforme à Constituição. E essas são distintas questões de constitucionalidade, que convocam padrões de valoração não coincidentes. Incidindo, na ver- dade, a questão de constitucionalidade sobre a primeira dimensão normativa, cumprirá ajuizar se é inadmis- sível qualquer limitação temporal do exercício do direito de impugnar a paternidade, o mesmo é dizer, se é constitucionalmente imposta a imprescritibilidade da correspondente acção; versando ela sobre a segunda – o que, evidentemente, pressupõe uma resposta negativa à questão anterior − estará em causa decidir se os termos em que concretamente se estabelece a caducidade da acção têm ou não um alcance excessivamente restritivo de uma posição do impugnante constitucionalmente protegida. Em nosso entender, todavia, a dúvida, quanto à definição precisa da questão de constitucionalidade sus- citada nos presentes autos, não pode ser desfeita no primeiro sentido, pois não cremos que possa deduzir-se da decisão recorrida, com um mínimo de certeza, que é a simples existência de um prazo, qualquer que ele seja, o regime normativo nela questionado. A referência, algo elíptica, que na decisão se faz ao conteúdo da norma desaplicada, sugere, até, de algum modo, a interpretação contrária, ao dizer-se, que “ tal limitação temporal é inconstitucional, como já o era na versão anterior o limite de dois anos” [itálico nosso]. Não seria essa, convenhamos, a formulação adequada para exprimir a ideia de que a simples consagração de um regime de caducidade, independentemente do prazo fixado, não se coaduna com imperativos constitucionais.
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