TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 79.º Volume \ 2010

237 acórdão n.º 429/10 Pode entender-se que esta “simplificação” contribui, de forma efectiva, para uma maior celeridade pro- cessual ou, pelo contrário, pode sustentar-se que se trata de «um pormenor que pouco adiantará aos resul- tados que já se conseguiram e relativamente ao qual apenas se poderá creditar a equiparação que foi feita relativamente ao regime que vigorava no processo laboral, no processo penal ou no processo administrativo» (como é defendido por Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, Novo Regime, Decreto-Lei n.º 303/07, de 24 de Agosto , Coimbra, Almedina, 2007, p. 12). Independentemente da avaliação que se venha a fazer dos resultados desta alteração, o certo é que do confronto entre o antigo regime de interposição do recurso e aquele que passou a vigorar para os processos intentados depois de 1de Janeiro de 2008, não resulta uma diferença de tratamento processual (entre os litigantes com processos pendentes em 31 de Dezembro de 2007 e os litigantes que intentem processos a partir de 1 de Janeiro de 2008) susceptível, por si só, de pôr em risco o direito à decisão em prazo razoável, consagrado no artigo 20.º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa (CRP). Da mesma forma, tem que se concluir que a convivência transitória entre o actual e o anterior regime dos recursos em processo civil não belisca o princípio da igualdade. O Tribunal Constitucional já por diversas vezes foi chamado a pronunciar-se sobre situações de “trata- mento desigual” resultante da aplicação de leis no tempo. E a esse respeito tem reiteradamente afirmado que o princípio da igualdade não opera diacronicamente. Ou seja, o legislador não está, em regra, obrigado a manter as soluções jurídicas que alguma vez adoptou, antes sendo notas típicas da função legislativa, jus- tamente, entre outras, a liberdade constitutiva e a auto-revisibilidade (Acórdão n.º 352/91, disponível em www.tribunalconstitucional.pt ) . Assim, a criação de situações de desigualdade, resultantes da aplicação do quadro legal revogado e do novo regime, é inerente à liberdade do legislador do Estado de direito de alterar as leis em vigor. Como mais recentemente se salientou nos Acórdãos n. os 260/10 e 153/10, na determinação do con- teúdo das normas que disciplinam a sucessão de leis no tempo é reconhecida ao legislador uma apreciável margem de liberdade no que respeita ao estabelecimento do marco temporal relevante para a aplicação do novo e do velho regime legal. No caso em apreço, nada há no sentido e alcance da norma que fixa o prazo para recorrer que leve a questionar a admissibilidade constitucional da interpretação normativa – com correspondência imediata, aliás, no enunciado do artigo 11.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 303/2007 − segundo a qual as disposições da lei nova, incluindo as respeitantes aos recursos, «não se aplicam aos processos pendentes à data da sua entrada em vigor». Não cabe ao Tribunal aferir se o critério escolhido foi a melhor opção ou se, pelo contrário, teria sido possível encontrar um outro regime de direito transitório que se traduzisse na aplicação gradual do novo regime dos recursos aos processos pendentes, à semelhança do que foi feito em anteriores reformas da lei processual civil. Um tal critério insere-se dentro da margem de discricionariedade que assiste ao legislador, por via do mandato democrático que lhe foi conferido, e não desrespeita a segurança jurídica, nem a protecção da con- fiança, nem é irrazoável. III — Decisão Pelo exposto, decide-se: Não julgar inconstitucional a norma do artigo 11.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24 de Agosto, quando interpretada no sentido de o prazo para recorrer, previsto no artigo 685.º, n.º 1, do Código de Processo Civil (CPC), na redacção emergente do mesmo diploma legal, não ser aplicável aos processos pendentes em 31 de Dezembro de 2007.

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