TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 79.º Volume \ 2010
230 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Para aferir da determinabilidade de uma determinada tipificação criminal, há que apurar se o resultado do processo interpretativo do respectivo texto cai fora do quadro das significações possíveis das palavras da lei, revelando-se para isso decisiva a moldura semântica do texto escrito. Realce-se, mais uma vez, que neste juízo não se averigua qual a melhor interpretação dos referidos pre- ceitos legais, mas sim se a interpretação aqui em análise é comportada pelo texto desses preceitos, sendo, por isso, objectivamente determinável. Da leitura do n.º 1 do artigo 107.º do RGIT, recolhemos uma previsão de um tipo legal de crime do qual não faz parte expressamente qualquer elemento que fixe um limite mínimo para a quantia objecto de apropriação, ao contrário do que sucede no artigo 105.º, n.º 1, em que apenas se criminaliza a não entrega de prestações tributárias de valor superior a € 7500. Contudo, o artigo 107.º, n.º 1, remete os termos da punição da conduta aí tipificada para as penas previstas nos n. os 1 e 5 do artigo 105.º Enquanto o n.º 1 deste último preceito prevê a aplicação duma pena de prisão até três anos ou multa até 360 dias, para a não entrega de prestações tributárias superiores a € 7500, o n.º 5 determina a aplicação duma pena de prisão de um a cinco anos e de multa de 240 a 1200 dias para as pessoas colectivas, quando a prestação tributária não entregue excede os € 50 000, tipificando assim um crime de abuso de confiança fiscal qualificado pelo valor que foi objecto de apropriação. A interpretação desta remissão, segundo a qual o limite de € 7500, a que alude o n.º 1 do artigo 105.º, não é aplicável ao crime de abuso de confiança contra a segurança social previsto no artigo 107.º, n.º 1, fundamenta-se na leitura de que, enquanto a remissão para a pena agravada prevista no n.º 5 do artigo 105.º abrange necessariamente o pressuposto dessa agravação, já a remissão para a pena prevista no n.º 1 para o crime simples, não necessita de se estender a qualquer elemento típico do crime de abuso de confiança fiscal, uma vez que do n.º 1 do artigo 107.º já constam todos os elementos suficientes para o preenchimento de um tipo legal de crime de abuso de confiança contra a segurança social simples. Esta é uma leitura claramente permitida pelo texto escrito dos artigos 105.º e 107.º do RGIT, face a uma remissão cujos termos a restringem ao conteúdo das sanções. E, tendo o legislador optado pela consagração de dois tipos de crime distintos, conforme as prestações não entregues respeitem a impostos ou a contribuições para a segurança social, a distinção resultante desta interpretação, relativamente aos dois comportamentos tipificados, não tem qualquer impedimento quer de cariz sistemático, quer do ponto de vista teleológico, uma vez que estamos perante a apropriação de presta- ções cuja satisfação visa finalidades que não são inteiramente coincidentes, pelo que o legislador poderá ter optado por reflectir na tipificação destes comportamentos objectivos político-criminais distintos. Pode-se, pois, concluir que o texto escrito dos artigos 105.º e 107.º do RGIT, permite a interpreta- ção sindicada, a qual se revela objectivamente determinável, pelo que a mesma não viola os princípios da legalidade e tipicidade criminal consagrados no artigo 29.º da Constituição, devendo, por isso, ser julgado improcedente o presente recurso. III — Decisão Pelo exposto, julga-se improcedente o recurso interposto para o Tribunal Constitucional por A. do acórdão proferido nestes autos em 28 de Janeiro de 2010, pelo Tribunal da Relação de Coimbra.
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