TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 79.º Volume \ 2010
229 acórdão n.º 428/10 A Lei n.º 60-A/2005, de 30 de Dezembro, alterou este valor para € 2000 e a Lei n.º 64-A/2008, de 31 de Dezembro, introduziu a redacção do actual n.º 1 do artigo 105.º tendo revogado o disposto no n.º 6, enquanto a redacção do artigo 107.º, onde se tipifica o crime de abuso de confiança contra a segurança social permaneceu sempre inalterada. Se foi claro que com a alteração da redacção do n.º 1 do artigo 105.º do RGIT, pelo artigo 113.º da Lei n.º 64-A/2008, de 31 de Dezembro, foi descriminalizada a conduta de não entrega de prestações tribu- tárias não superiores a € 7500, já relativamente ao crime de abuso de confiança contra a segurança social se desenharam duas correntes jurisprudenciais de sentido oposto: segundo uma, a nova redacção do artigo 105.º, n.º 1, do RGIT, era também aplicável ao tipo legal de crime previsto no artigo 107.º, n.º 1, do mesmo diploma, e, portanto, também tinham sido descriminalizadas as situações de falta de entrega das contri- buições devidas à segurança social de montante não superior a € 7500; e segundo outra, tal nova redacção não era aplicável aos crimes de abuso contra a segurança social, pelo que se mantinha a criminalização de qualquer falta de entrega das contribuições, independentemente do seu montante. Perante tal divergência, o Ministério Público interpôs recurso extraordinário de jurisprudência, tendo o Supremo Tribunal de Justiça, em 14 de Julho de 2010, proferido o Acórdão Uniformizador de Jurisprudên- cia n.º 8/2010 (publicado no Diário da República , I Série, n.º 186, de 23 de Setembro de 2010) que decidiu: Fixar jurisprudência, no sentido de que a exigência do montante mínimo de € 7500, de que o n.º 1 do artigo 105.º do RGIT, faz depender o preenchimento do tipo legal de crime de abuso de confiança fiscal, não tem lugar em relação ao crime de abuso de confiança contra a segurança social, previsto no artigo 107.º, n.º 1, do mesmo diploma. Foi exactamente este o critério que foi seguido pela decisão aqui recorrida e cuja constitucionalidade é questionada. Como é sabido, não cabe ao Tribunal Constitucional interpretar o direito ordinário ou sindicar a bon- dade da interpretação feita pelas instâncias, no plano do direito infraconstitucional. A interpretação sufragada no acórdão recorrido constitui um dado adquirido, no âmbito do presente recurso, cabendo apenas ao Tribunal Constitucional confrontar tal interpretação com as normas e princípios constitucionais aplicáveis, nomeadamente com o princípio da legalidade criminal, que foi invocado pelo recorrente. 3. O princípio da legalidade criminal Num Estado de direito democrático a prevenção do crime deve ser levada a cabo com respeito pelos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos, estando sujeita a limites que impeçam intervenções arbitrárias ou excessivas, nomeadamente sujeitando-a a uma aplicação rigorosa do princípio da legalidade, cujo con- teúdo essencial se traduz em que não pode haver crime, nem pena que não resultem de uma lei prévia, escrita e certa (nullum crimen, nulla poena sine lege) . É neste sentido que o artigo 29.º, n.º 1, da Constituição, dispõe que ninguém pode ser sentenciado criminalmente senão em virtude de lei anterior que declare punível a acção ou a omissão, nem sofrer medida de segurança cujos pressupostos não estejam fixados em lei anterior. Essa descrição da conduta proibida e de todos os requisitos de que dependa em concreto uma punição tem de ser efectuada de modo a que se tornem objectivamente determináveis os comportamentos proibidos e, consequentemente, se torne objectivamente motivável e dirigível a conduta dos cidadãos (Figueiredo Dias, em Direito Penal. Parte Geral, tomo I, p. 186, da 2.ª edição da Coimbra Editora). O que está em causa neste recurso é apenas saber se a interpretação da remissão constante do artigo 107.º, n.º 1, do RGIT, para o artigo 105.º, n.º 1, do mesmo diploma, segundo a qual essa remissão não abrange o limite quantitativo das entregas, constante do referido artigo 105.º, n.º 1, do mesmo diploma, não põe em causa a determinabilidade da correspondente tipificação criminal. Em suma, trata-se de julgar se, em abstracto, será possível não incluir parte do conteúdo normativo constante de um preceito legal – o artigo 105.º, n.º 1, do RGIT – no conteúdo normativo constante de outro preceito legal – o artigo 107.º, n.º 1, do RGIT –, sem que daí resulte, num juízo objectivo, uma inde terminação da conduta proibida.
Made with FlippingBook
RkJQdWJsaXNoZXIy Mzk2NjU=