TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 79.º Volume \ 2010

227 acórdão n.º 428/10 O Ministério Público apresentou contra-alegações com as seguintes conclusões: «1. Com as alterações introduzidas no n.º 1 do artigo 105.º do RGIT, pelo artigo 113.º da Lei n.º 64-A/2008, de 31 de Dezembro, deixou de estar criminalmente previsto o comportamento que se traduz na não entrega à administração tributária de prestação tributária de valor igual ou inferior a € 7500. 2. Nestas circunstâncias estamos, pois, perante uma descriminalização do crime de abuso de confiança fiscal, continuando tal conduta a constituir contra-ordenação (artigo 114.º, n.º 1, do RGIT). 3. Tendo essa alteração legislativa incidido expressa e inequivocamente apenas sobre o artigo 105.º do RGIT, o artigo 107.º (crime de abuso de confiança contra a segurança social) manteve integralmente a sua redacção. 4. Assim, a interpretação que considera não ser aquela alteração aplicável ao crime de abuso de confiança contra a segurança social, não viola o princípio da legalidade criminal (artigo 29.º da Constituição). 5. Aliás, circunscrevendo-se tal entendimento ao teor literal do preceito em causa (artigo 107.º, n.º 1), ele é o que se mostra mais respeitador daquele princípio constitucional. 6. Termos em que deverá negar-se provimento ao recurso.» II — Fundamentação 1. O caso dos autos e o objecto do recurso O recorrente foi condenado por sentença proferida na primeira instância pela prática de um crime de abuso de confiança em relação à segurança social, na forma continuada, previsto e punido pelos artigos 107.º, n.º 1, e 105.º, n.º 1, do RGIT, 26.º, 30.º, n.º 2, e 79.º do Código Penal, na pena de 100 dias de multa, à taxa diária de € 15. Recorreu desta decisão para o Tribunal da Relação de Coimbra, sustentando que, sendo o valor de cada prestação não entregue à segurança social inferior a € 7500, a sua conduta não era punível, nos termos da aplicação conjugada dos artigos 107.º, n.º 1, e 105.º, n.º 1, do RGIT. O acórdão do Tribunal da Relação negou provimento ao recurso interposto por ter entendido que “o limite de € 7500 a que alude o n.º 1 do artigo 105.º do Regime Geral das Infracções Tributárias (RGIT), aprovado pela Lei n.º 15/2001, de 5 de Junho, na redacção que lhe foi conferida pelo artigo 113.º da Lei n.º 64-A/2008, de 31 de Dezembro, não é aplicável ao crime de abuso de confiança contra a segurança social previsto no artigo 107.º do RGIT”. É esta interpretação normativa dos referidos preceitos legais, cuja constitucionalidade é posta em questão no presente recurso, mediante a acusação de violar os princípios da legalidade e tipicidade criminal, que im- porta analisar. 2. Os preceitos legais em causa e a sua história breve Os artigos 105.º, e 107.º, do RGIT, na redacção da Lei n.º 64-A/2008, de 31 de Dezembro, tem o seguinte teor: «Artigo 105.º Abuso de confiança 1 – Quem não entregar à administração tributária, total ou parcialmente, prestação tributária de valor superior a € 7500, deduzida nos termos da lei e que estava legalmente obrigado a entregar é punido com pena de prisão até três anos ou multa até 360 dias. 2 – Para os efeitos do disposto no número anterior, considera-se também prestação tributária a que foi dedu- zida por conta daquela, bem como aquela que, tendo sido recebida, haja obrigação legal de a liquidar, nos casos em que a lei o preveja.

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