TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 79.º Volume \ 2010
226 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional: I — Relatório No processo comum, com tribunal singular, n.º 1066/05.2TAVIS, pendente no 1.º Juízo Criminal de Viseu, A. foi condenado, por sentença proferida em 5 de Março de 2008, pela prática de um crime de abuso de confiança contra a segurança social, na forma continuada, previsto e punido pelos artigos 107.º, n.º 1, e 105.º, n.º 1, do Regulamento Geral das Infracções Tributárias (RGIT), e 26.º, 30.º, n.º 2, e 79.º do Código Penal, na pena de 100 dias de multa, à taxa diária de € 15. O arguido recorreu desta decisão para o Tribunal da Relação de Coimbra que, por acórdão proferido em 28 de Janeiro de 2010, negou provimento ao recurso. O arguido recorreu desta decisão para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei do Tribunal Constitucional (LTC), pedindo que se «reconheça que a interpretação de que o limite de € 7500, a que alude o n.º 1, do artigo 105.º, do Regime Geral das Infracções Tributárias (RGIT) aprovado pela Lei n.º 15/2001, de 5 de Junho, na redacção que lhe foi conferida pelo artigo 113.º da Lei n.º 64-A/2008, de 31 de Dezembro, não é aplicável ao crime de abuso de confiança contra a segurança social previsto no artigo 107.º do RGIT, é inconstitucional por violação dos princípios da legalidade e tipicidade constitucionalmente consagrados no artigo 29.º da C.R.P.» Após ter sido deferida reclamação de decisão sumária que não havia admitido o conhecimento do mérito deste recurso, o recorrente apresentou alegações que concluiu do seguinte modo: «1.º – O legislador do RGIT sempre tratou com absoluta identidade de regime – quer quanto à punição quer quanto ao valor base a atender para extinção da responsabilidade criminal pelo pagamento ou para agravação dessa punição os crimes de abuso de confiança fiscal e o crime de abuso de confiança contra a segurança social. As próprias alterações introduzidas na redacção do artigo 105.º sempre foram tornadas extensivas ao crime do artigo l07.º por força do n.º 2 deste. 2.º – É certo que o artigo 107.º, n.º 1, do RGIT, remete para a “pena prevista no n.º 1 do artigo 105.º do mesmo diploma, não parecendo remeter para o valor que dele agora consta. Porém, uma tal interpretação literal deve ser liminarmente afastada, pela razão simples de que aquele preceito também remete para a pena do n.º 5 do artigo 105.º e, nessa parte, é por demais óbvio que a remissão terá de se considerar feita não só para a pena (agravada) aí prevista como para o valor (superior a € 50 000) aí também previsto e subjacente à agravação. Ora, se é assim, parece claro que, em coerência interpretativa, onde o legislador remeteu para “as penas previstas nos n. os 1 e 5 do artigo 105.º do RGIT, se deve entender que quis remeter também para os valores que lhes são subjacentes não só no caso do n.º 5 como no caso do n.º 1. Não faz sentido que se interprete a mesma norma de duas formas diferentes, consoante a remissão se faça para o n.º 1 ou para o n.º 5 do mesmo preceito, muito menos quando tal interpretação agrava, relativamente ao arguido, o quadro incriminador e tem carácter inovatório. Esta interpretação não responde aos princípios da confiança e previsibilidade do direito nem permite assegurar a precisão necessária da tipificação criminal em causa, tanto mais quanto mesmo relativamente ao crime de fraude contra a segurança social igualmente está fixada a mesma restrição de punibilidade (art.º 106.º do RGIT), não se vislumbrando razões para diferenciar um do outro e sobretudo isolar agora e apenas um regime do que segura- mente se quis tornar regra. Tal interpretação/alteração do âmbito da remissão, face à similitude anterior dos regimes, seu carácter inovador e agravador do tipo legal de crime, viola os princípios constitucionais da legalidade e tipicidade e como tal deve ser julgada inconstitucional e o arguido absolvido do crime por que foi condenado.»
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