TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 79.º Volume \ 2010

22 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL – O artigo 3.º do Código do Trabalho permite que as normas legais possam, por regra, ser afastadas por ins­ trumento de regulamentação colectiva de trabalho, sem distinguir se esses instrumentos são mais ou menos favoráveis ao trabalhador, pondo assim em causa o princípio constitucional do tratamento mais favorável do trabalhador. Esta norma, ao permitir, como regra, a aprovação de instrumentos de regulamentação colectiva menos favo­ ráveis ao trabalhador do que a lei, consubstancia uma descaracterização da natureza de limite mínimo das normas laborais, que radica na ideia da função protectiva da lei como meio de defesa do contraente mais débil, e constitui um desvirtuamento da função da contratação colectiva como instrumento de progresso social, mostrando-se manifestamente inconciliável com os princípios fundamentais de Direito do Trabalho perfilha­ dos na nossa Constituição, nomeadamente o princípio do tratamento mais favorável do trabalhador como elemento estruturante da Constituição laboral. Efectivamente, vários comandos constitucionais devem ser interpretados no sentido de estabelecerem uma tutela mínima do trabalhador, designadamente os artigos 2.º, 9.º, alíneas b) e d) , 58.º, 59.º e 81.º, alíneas a) e b) , cabendo ao Estado, enquanto Estado social, prever e garantir um estatuto laboral mínimo de protecção, a partir do qual as partes, no exercício da sua autonomia colectiva, poderão concretizar os seus equilíbrios, mas sempre sem reduzir o nível de protecção mínima atribuído pela lei. São elucidativas, nesta matéria, as afirmações da Conselheira Helena Brito, em declaração de voto, no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 306/03, onde conclui pela existência de um princípio constitucional do trata- mento mais favorável do trabalhador e pela impossibilidade geral de afastar a lei laboral por instrumento de regulamentação colectiva menos favorável. Deve ter-se em atenção também o recente Acórdão n.º 632/08, onde se declarou inconstitucional a norma que previa um período experimental de 180 dias para a generalidade dos trabalhadores contratados. Nesse aresto, o Tribunal salienta que o Estado tem deveres de protecção dos direitos dos trabalhadores que vinculam também as entidades privadas (artigo 18.º, n.º 2, parte final), que radicam, em última análise, na ideia de democracia económica, social e cultural [artigos 2.º e 9.º, alínea d), da Constituição], sendo clara “a intenção constitucio- nal de proteger especialmente a condição existencial do trabalhador enquanto titular de direitos, liberdades e garantias”, de modo a compensar o facto de que “as relações de trabalho subordinado se não configuram como verdadeiras relações entre iguais”. O artigo 3.º da Lei sub judice abre a possibilidade evidente para que, num vasto conjunto de matérias, com excepção das ali enunciadas, no n.º 3, possam ser estabelecidas condições menos favoráveis quer através da contratação colectiva, quer por força da conjugação do n.º 1 com o n.º 3 deste artigo 3.º, através de contrato individual de trabalho, abandonando assim de vez o princípio constitucional do favor laboratoris, permitindo- -se o não cumprimento de uma tarefa fundamental do Estado em matéria de direitos dos trabalhadores. – O Código admite, no n.º 4 do artigo 140.º, duas situações de contratação “a termo” de gritante inconstitu- cionalidade. Diz, na verdade, a lei que pode ser celebrado contrato a termo para: a) “Lançamento de nova actividade de duração incerta, bem como início de laboração de empresa ou de estabelecimento pertencente a empresa com menos de 750 trabalhadores”; e b) “Contratação de trabalhador à procura de primeiro emprego, em situação de desemprego de longa duração ou noutra prevista em legislação especial de política de emprego”. Estes preceitos estão em contradição clara com o direito à segurança no emprego constitucionalmente consa- grado no artigo 53.º da Constituição. É objectivo deste preceito garantir os trabalhadores contra a precarização no emprego, nomeadamente no que respeita à própria subsistência dos vínculos laborais. É por isso que a própria possibilidade de aposição de um termo ao contrato individual de trabalho despoletou, desde a sua génese, sérias dúvidas quanto à sua constitucionalidade. Contudo, sucessivas opções legislativas vêm atacando o referido direito à segurança no emprego, facilitando o contrato a termo e possibilitando assim a chamada flexibilidade dos vínculos laborais. São os próprios dados do Livro Branco para as Relações Laborais que evidenciam os resultados das sucessivas opções políticas: «A composição do emprego por tipo de contrato tem sofrido alterações significativas nos últi- mos anos, que se caracterizaram pelo aumento da incidência de emprego com contrato a termo (...) ao mesmo

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