TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 79.º Volume \ 2010
177 acórdão n.º 408/10 Na verdade, e como muito bem se sabe, o recurso extraordinário de revisão de sentença representa uma limitação ao caso julgado. Assim sendo, a avaliação, sob o ponto de vista constitucional, de qualquer con- formação legislativa que a esse recurso diga respeito pressupõe, antes do mais, que se averigúe se, e em que medida, encontra guarida na Constituição o princípio da imodificabilidade das decisões dos tribunais que sejam insusceptíveis de recurso ordinário. A questão tem sido abundantemente tratada pela jurisprudência constitucional (quanto a este ponto, e para uma síntese expressiva de todo o lastro jurisprudencial anterior, iniciado ainda pela Comissão Consti- tucional, veja-se o Acórdão n.º 310/05, disponível em www.tribunalconstitucional.pt ) . Fundamentalmente, tem dito o Tribunal que o princípio da intangibilidade tendencial do caso julgado, se bem que admita, como qualquer outro, limitações ou compressões, detém uma inquestionável tutela constitucional, por razões decorrentes do princípio do Estado de direito (artigo 2.º da CRP). Como se recordou no já citado Acórdão n.º 310/05: «Sem o caso julgado material estaríamos caídos numa situação de instabilidade jurídica (instabilidade das rela- ções jurídicas) verdadeiramente desastrosa – fonte perene de injustiças e paralisadora de todas as iniciativas. Seria intolerável que cada um nem ao menos pudesse confiar nos direitos que uma sentença lhe reconheceu; que nem sequer a estes bens pudesse chamar seus, nesta base organizando os seus planos de vida; que tivesse constantemente que defendê-los em juízo contra reiteradas investidas da outra parte, e para mais com a possibilidade de nalguns dos novos processos eles lhe serem negados pela nova sentença.” (Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil , nova edição revista e actualizada pelo Dr. Herculano Esteves, Coimbra, 1979, p. 306).» Certo é, porém, e como já se disse, que este princípio, como qualquer outro, pode sofrer compressões, desde que constitucionalmente justificadas. Assim, determina o n.º 6 do artigo 29.º da CRP que tenham direito à revisão da sentença [nas circunstâncias prescritas por lei] os cidadãos injustamente condenados pela prática de um crime; e dispõe o n.º 3 do artigo 282.º que os efeitos das declarações de inconstitucionalidade com força obrigatória geral possam, por decisão do Tribunal, não ressalvar os casos julgados, “quando a norma respeitar a matéria penal, disciplinar ou de ilícito de mera ordenação social e for de conteúdo mais favorável ao arguido”. Fora destas duas circunstâncias, decorrerá ainda do artigo 20.º da CRP, e do valor de justiça que nele vai inscrito, a necessária existência, nomeadamente em processos cíveis, de um qualquer meio processual de ultrapassagem do caso julgado. Contudo, e como se disse no Acórdão n.º 310/05, descontada a supressão pura e simples da existência desse meio processual, ao legislador ordinário sempre assistirá um apreciável grau de liberdade na conformação concreta dos seus pressupostos. Ora, um dos modos que pode revestir essa configuração traduz-se precisamente na tipificação das situa- ções em que é legalmente admissível o recurso excepcional de revisão de sentença. Por através deles se estabelecer um equilíbrio entre valores constitucionais igualmente dignos de tutela, os concretos pressupostos de que a lei faz depender a admissibilidade do recurso de revisão só podem ser sindicados pelo Tribunal Constitucional segundo um critério de evidência ou de desrazoabilidade manifesta. Não se afigura manifestamente desrazoável não se prever o depoimento testemunhal como fundamento de admissão do recurso de revisão de sentença. III — Decisão Assim, e pelos fundamentos expostos, o Tribunal decide: a) Não julgar inconstitucional a norma contida no artigo 771.º do Código de Processo Civil, na parte em que este exclui o depoimento testemunhal como fundamento do recurso extraordinário de revisão;
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